O que a flor de Lótus simboliza?
Figura muito comum em religiões orientais como o Budismo e o Hinduísmo, a flor de Lótus é uma planta que simboliza a pureza espiritual e a eliminação dos apegos e desejos. Para entender porque ela representa tal qualidade, precisamos entende-la primeiro a partir de um ângulo científico.
A flor de Lótus é uma flor importante não só para a Religião, mas também para a Ciência - para você ter ideia, uma semente de um Lótus pode sobreviver por mais de 1300 anos! Prova disso foi a experiência de Shen Miller, que pesquisa sobre a planta desde 1990. Foi nessa época que ele e uma equipe de cientistas encontraram uma semente da flor que ainda estava viável para ser plantada apesar de possuir quase 1300 anos.
Isso levou essa equipe a pesquisar melhor sobre essa planta curiosa. Na época eles já supunham que a flor deveria possuir várias adaptações genéticas que a permitiriam longevidade. Anos depois, com a tecnologia moderna, seu DNA foi sequenciado e muitas peculiaridades gênicas foram, de fato, percebidas. Descobriu-se que o DNA das flores de Lótus permite a elas:
- longevidade: explicada por genes que estimulam a produção de proteínas que conservam a semente, permitindo-a germinar mesmo depois de muito tempo de ter sido gerada;
- termogênese: outros genes permitem a produção de vários tipos de proteína capazes de se manterem fluidos durante temperaturas muito quentes. Dessa forma, tais compostos orgânicos têm funcionamento semelhante a da água, regulando a situação térmica da planta e combatendo estresses eventuais;
- autolimpeza: a superfície característica das folhas e pétalas dessa flor é extremamente hidrofóbica, ou seja, a Flor de Lótus é capaz de repelir toda a água que cai sobre ela devido a suas folhas lisas. Com a água, a sujeira também é levada e a flor se mantêm sempre limpa e seca.
Leia alguns trechos do texto que divulgou os principais resultados e considerações dessa pesquisa:
"Usada como um alimento há mais de 7000 anos na Ásia, a flor de Lótus é cultivada em virtude de suas folhas, sementes e rizomas comestíveis. Esses, assim como seus frutos, estames, antera, caules, raízes e brotos, têm sido usados como remédios para tratamento de cancro, depressão, diarreia, problemas cardíacos, hipertensão e insônia. Suas sementes têm longevidade excepcional, permanecendo viáveis durante 1300 anos. [...] As protuberâncias nas superfícies de suas folhas lhes permite um processo de autolimpeza. [...] O genoma da flor de Lótus fornece a base para decifrar a base molecular de suas muitas propriedades biológicas distintas, incluindo a longevidade das sementes, adaptação para os ambientes aquáticos, a propriedade de autolimpeza superhidrofóbica de suas folhas e a termogênese, utilizada para incrementar o desempenho na polinização." - (traduzido e adaptado de "Genome of the long-lived sacred Lotus" [O Genoma da vida-longa do Lótus sagrado], retirado de genomebiology.com)
Por fim, qual a relação disso com o Budismo e o Hinduísmo?
Desde antes de Buda, a flor de Lótus era apreciada por esse processo de autolimpeza supracitado. Desde séculos antes de Jesus Cristo, os praticantes espirituais e monges do Oriente já conheciam essa capacidade do Lótus de repelir a água e a poeira que se acumulavam em suas folhas, de tal forma que ela se limpava e se purificava sozinha - essa imagem foi relacionada com a Prática Espiritual.
A metáfora é que a água e o pó são como os apegos e desejos que nublam a mente, que seria a flor de Lótus. De acordo com os ensinamentos de Buda, precisamos transcender nossos apegos, sejam eles Cobiça (querer) ou Aversão (não-querer), para enxergarmos o mundo como ele de fato é. Portanto, precisamos fazer como a flor: uma autolimpeza - precisamos purificar nossas mentes de todas as suas tendências subjacentes para que ela fique pura para perceber a realidade.
Assim, da mesma forma que a flor de Lótus repele a água e a poeira, nós devemos treinar nossas mentes para que elas possam repelir sentimentos como a raiva, a insatisfação e o sofrimento; só assim alcançaremos altos níveis de concentração para que a sabedoria possa surgir, ou em outras palavras, para que a flor possa se abrir acima do lago.
Isso porque, originalmente, a flor de Lótus brota do lodo e da lama submersa na água. Através de processos fisiológicos, ela lentamente cresce dentro de rios e lagos até emergir para fora deles, se abrindo acima do lago em que se encontrar, sendo que suas raízes continuam conectando-a ao solo.
Buda usou algo parecido com essa imagem. Ele dizia que existiam 4 tipos de pessoas no mundo.
O primeiro tipo seriam as pessoas que já havia alcançado o Nirvana e a Compreensão Total, tendo florescido totalmente acima de toda a água, ou seja, de todo e qualquer apego e sofrimento. O segundo tipo seriam pessoas muito sábias, que estavam com pouca poeira sobre os olhos e que precisavam ouvir apenas alguns ensinamentos e ajustar algumas atitudes para compreenderem como alcançar a Iluminação - elas já estavam sobre a água, bastava subirem um pouco mais e se abrirem para a luz do Sol. O terceiro tipo de pessoa seria aquele que tem pouca compreensão acerca da própria mente, mas que se lhe fosse ensinado continuamente e se ele praticasse constantemente, ele poderia crescer lentamente até florescer acima da água. O quarto tipo consistiria no ser que não consegue absorver nada do Dharma e está muito cego para compreendê-lo, podendo apenas ter uma possível chance de caminhar à Paz numa vida seguinte. Dessa forma, essa flor não cresceria e seria vítima de outros animais que a consumiriam.
Dessa forma, o Buda também ilustrou a prática de purificação da mente para alcançar o Nirvana com o processo de autolimpeza e de crescimento realizado pelas flores de Lótus.
Afinal todos nós iniciamos nossas práticas nesse mundo cheio de angústia e desejo, assim como uma flor de Lótus brota a partir do lodo. Mas podemos nos purificar para ascendermos, abrirmos a flor, ou nossas mentes, acima de toda a água dos apegos e desejos para, assim, enxergarmos o Sol - a realidade dos fenômenos deste mundo. Dessa forma teremos saído do mundo e chegado acima dele e, assim, lá ficaremos até o final de nossas vidas, quando as raízes se romperem e sairmos totalmente do Samsara: Parinirvana.