A história a seguir saiu da imaginação de Ajahn Brahmavamso, monge Theravada da Tradição das Florestas da Tailândia. Através de uma simples ilustração, ele resume a essência da prática budista, tomando como ponto central o Nobre Caminho Óctuplo cujos fatores são individualmente explicados de maneira sintética e prática.
De acordo com o que já li sobre esse monge, percebe-se que ele ilustrou a própria prática, dando ênfase aos fatores que ele vê como mais importantes ou mais complicados de compreender, sem contar na sua costumeira citação do desaparecimento de Cetana, o processo de capacidade de fazer escolhas, na entrada nos Jhanas, meditações de absorção profundas. Além disso, em alguns trechos ele fala de um ângulo de prática realmente monástica, enfatizando, como exemplo, o abandono da vida em família; ao passo que em outros trechos ele fala num aspecto laico, como no fator de Ação Correta, onde ele indica que não se deve cometer adultério.
Vários nomes mostrados na história são baseados em termos budistas do páli e sânscrito que são devidamente explicados ao final da página. Vale a pena conferir as explicações e reler a história novamente para compreender a essência da prática até a Iluminação.
A História de Mo
Texto retirado e traduzido do site Dhammaloka
Mo era um habitante de uma cadeia de segurança máxima chamada de Prisão Sausàra. Ela ficava envolvida em cinco paredes altas, cada uma com seu próprio sensor focado em Mo, e era impiedosamente governada por um guarda de prisão sádico que todos chamavam de Desejo. O guarda tirano dava ordens a Mo incessantemente, nunca permitindo que ele ficasse em paz, nem mesmo que dormisse. Mas Mo havia nascido naquela prisão, viveu sua vida inteira por lá e, portanto, não sabia de nada mais além daquilo. Ele até acreditava que o sentinela mandão, Desejo, era seu amigo e que ele poderia influenciá-lo de vez em quando.
Um dia, Mo descobriu um túnel em sua cela, logo onde ele sentava e sonhava acordado. O túnel era visivelmente antigo, porque ele possuía uma assinatura em alguma linguagem antiga que dizia: “Ariya Atthangika Magga”. O ex-presidiário que havia construído o túnel ainda havia riscado seu nome na pedra: “cavado por Zak Yamuni”. “Boa, Zak!”, pensou Mo.
Mo não ficou interessado no túnel de primeira. Por que escapar quando ele estava tão acostumado com a vida na prisão? Prisão Sausàra possuía um pátio de treinamento enorme chamado “Terra” que ele ainda não havia explorado completamente, ele possuía um bom trabalho gerenciando um negócio baseado na prisão e ele ainda tinha se casado com uma bela prisioneira feminina, chamada Carma Raga, que havia lhe dado três pequenos prisioneiros. Ele amava Carma, apesar de brigarem todos os dias.
Em um fim de semana, por curiosidade, Mo explorou os primeiros poucos metros do túnel e descobriu que lá era muito mais calmo e pacífico do que qualquer outro lugar que ele já havia conhecido antes. Assim, ele entrou para mais fundo e encontrou o livro-guia do túnel chamado Sutta Pitaka. O “pit” que era parte do nome pareceu, para Mo, que deveria ter alguma coisa a ver com túneis.
Primeiro: o guia do túnel dizia que você precisaria de Entendimento Correto, o que significa aceitar, mesmo que por fé, que a Prisão Sausàra é sofrimento. Ela é ruim. Além disso, qualquer um pode atravessar o túnel através de seus esforços hábeis (que o livro chamou Karma) para alcançar um lugar calmo chamado Nirvana, além das paredes de Sausàra.
Segundo: você necessita de Pensamento Correto. Isso significa que você tem que pensar em se desapegar, em deixar todas as coisas para trás, porque o túnel é muito estreito para se levar consigo qualquer pertence. Mo ficou perturbado porque o guia disse enfaticamente que ele não poderia levar sua esposa, Carma Raga, porque o túnel só era largo o suficiente para entrar sozinho. Além disso, você teria que ser gentil, porque “tuneleiros” nervosos bateriam suas cabeças no teto baixo e perderiam suas mentes. Em último lugar, você não poderia se mover violentamente, mas somente bem gentilmente, para que o guarda da prisão, Desejo, não impeça sua escapatória.
Terceiro: você precisaria de Linguagem Correta. O guia do túnel dizia que mentirosos, caluniadores, aqueles que falam rudemente e mesmo aqueles que fofocam perturbariam os ratos do túnel que o perseguiriam até você voltar para dentro de sua cela.
Quarto: Ação Correta seria necessária. Se você matar qualquer um - mesmo aqueles ratos - roubar ou cometer adultério, há cobras no túnel que ouviriam sobre isso e que não permitiriam que você passasse. Mesmo beber álcool ou usar drogas é proibido no túnel, visto que você seria apedrejado até que encontrasse a saída.
Quinto: Meio de Vida Correto é essencial. Pessoas que são trapaceiras nos negócios também tomarão atalhos errados no túnel.
Sexto: de acordo com o guia do túnel, Esforço Correto deve ser empregado. Algumas vezes você terá de trabalhar duro, em outras vezes apenas relaxar. Essa foi a instrução mais difícil para Mo compreender. Quando ele deveria se empenhar? Quando ele deveria se desapegar? Por meio da experiência, entretanto, ele logo pegou o jeito da coisa – significando que ora se esforçava, ora relaxava. Porém, parecia que quanto mais ele prosseguia ao longo do túnel, mais ele devia simplesmente sentar silenciosamente e não fazer nada. Isso era como estar em patins de rodas alinhadas descendo uma encosta íngreme – quando ele relaxava ele progredia, mas quando ele se esforçava e ficava tenso, então ele tombava.
Sétimo: Atenção Plena Correta era crucial. Ele tinha que manter sua lucidez sobre si mesmo no túnel. Sonhar acordado ou cochilar seria fatal para mais progressos. Ele tinha de manter sua atenção em um dos quatro pontos que o dirigiriam para fora do túnel – corpo, sensação, mente e objetos mentais. Consciência também significava que ele aprenderia rapidamente dos seus erros e os repetiria cada vez com menos frequência.
Oitavo: Concentração Correta era o mais importante de todos. Ele percebeu que quanto mais ele progredia ao longo do túnel, mais calmo ele devia ficar para manter o seu equilíbrio. Seu corpo tinha que sentar como uma estátua por horas, mas aquilo não era tão difícil. A parte difícil era manter sua mente silenciosa, tão silenciosa que o guarda da prisão, Desejo, não saberia até onde Mo havia ido. Quando quer que fosse que Mo perdesse tal concentração, Desejo, o guarda assustador da prisão, apareceria e colocaria Mo de volta na prisão.
A primeira vez em que Mo explorou o túnel, ele não foi muito longe, mas ele aproveitou. Quanto mais fundo ele ia ao longo daquela direção, mais feliz ele ficava. Logo, Mo havia aperfeiçoado as primeiras instruções para trilhar o caminho – ele possuía Entendimento, Pensamento, Linguagem, Ação e Meio de Vida Corretos. Ele também aprendera a como equilibrar seu Esforço, estava extremamente atento e focado, e ele aprendera a como se tornar realmente bem concentrado.
Logo, Mo viu a luz no final do túnel, o que o livro-guia chamava de Nimmita. Então, ele passou por cavernas maravilhosas e gloriosas chamadas as Quatro cavernas-jhana. Então, finalmente... Wow! Ele alcançou o final do túnel. Nirvana! Ele estava fora da prisão, enfim. Liberdade. Bem-aventurança. A Paz Suprema! Isso era fresco ao máximo! E, então, ele recebeu um novo nome. Formalmente chamado Mo Há, agora ele era Harry Hant.
Ariya Atthangika Magga – o Nobre Caminho Óctuplo
Samsara – perambulação contínua pelo Ciclo de Renascimentos
Carma Raga (geralmente grafado como kāma-rāga) – Desejo Sensual
Mo Ha (normalmente escrito como moha) – Delusão
Harry Hant (escrito corretamente como Arahant) – um Iluminado
Nimmita – a luz vista em meditação profunda logo antes do primeiro Jhana
As Cinco Paredes da Prisão representam os cinco sentidos: ver, ouvir, cheirar, saborear e tocar
O guarda da prisão esquisito e controlador, Desejo, representa cetana, o processo de intenção ou escolha