Olá Júlio... tinha mais uma coisa que eu queria te dizer no outro tópico mas não tive tempo, pode ser uma forma útil de você visualizar como a Theravada sofre um pouco de preconceito.
Ajahn Chah, monge da Tailândia considerado um iluminado, disse certa vez: "Não importa aonde você vá estudar o Dharma, ele está, de fato, na mente."
Aí você pode ir ler a compilação dos ensinamentos dele e em um dos discursos você lê que a vida monástica é a ideal para alcançar a iluminação.
Num outro discurso você lê que não é preciso se tornar monge para alcançar o estado de Arahant.
Mas como assim? Ele não está se contrariando? Aí, muitos vão na segunda afirmação e falam: "Esses monges theravada são todos egoístas e isolados! Acham que só monges podem se iluminar. Mahayana dá mais valor aos leigos...", só que isso é um entendimento muito fragmentado.
Isso é peculiar no Zen e mesmo o Buda fazia isto: se contradizia. Por que isso? Porque os mestres falam de acordo com a capacidade daqueles que o ouvem. Um exemplo: o caminho budista pode ser resumido como segue:
Mau condicionamento -> Bom condicionamento -> Incondicionado (Nirvana)
Ou seja, você tem que desenvolver virtudes e se condicionar de forma benéfica, mas o objetivo final é conseguir algo além de virtude, algo Incondicionado. Então, você lê no Dhammapada, como coloquei no topo do site: "Abandonar o mal, cultivar o bem, purificar a mente...". De repente, você lê um discurso de Ajahn Chah dado a monges avançados e ele diz: "No final das contas, nós abandonamos tanto o mal quanto o bem." Ele está errado? Ele não entendeu os ensinamentos de Buda? Não, a frase do Dhammapada fala desse trecho: Mau condicionamento -> Bom condicionamento. Ajahn Chah falou mais além: Bom condicionamento -> Incondicionado
Só que nem todos estão prontos para entender essa parte, por isso os mestres falam a parte mais fácil, e mesmo o Buda fazia isso. Só que aí alguém ouve uma parte avançada dos ensinamentos Theravada e acha muito pessimista: "Como assim abandonar não só o mal como o bem também? O bem deve ser praticado!", mas tudo isso é má interpretação do que significa Nirvana.
No exemplo que passei acima, como exemplo, o que os grandes mestres concordam? Todos podem alcançar Nirvana. A verdadeira prática acontece na mente. Mesmo se você estivesse perto do Buda em pessoa mas não estivesse disposto a praticar, Nirvana não seria possível. Contudo, a Iluminação requer uma prática de desapego muito contínua, por isso pode ser difícil para um leigo realizar isso, pois a vida em sociedade requer atingir metas e realizar sonhos, o que faz a prática demorar mais e a vida de um monge ser mais "ideal" como Ajahn Chah disse. Quando você tem esse entendimento mais sábio e correto de como ocorre o desenvolvimento espiritual, você consegue perceber porque Ajahn Chah disse aquelas três frases diferentes. No final das contas, elas se referem a mesma coisa. A vida de monge é mais ideal? É, mas um leigo pode se iluminar também. A prática ocorre na mente? Ocorre, mas em locais onde o apego é muito estimulado isso é mais demorado. Quando você tem esse Entendimento Correto, você percebe que não há pessimismo na abordagem do Theravada, é a realidade "lógica" das coisas, e não que a Theravada isola os leigos, discrimina os leigos ou é egocêntrica.
As pessoas cuja capacidade era limitada, o Buda dizia: "Evite a mentira, fale para o benefício dos outros e disso você tirará muitos frutos.". Para pessoas mais avançadas, em geral os monges, ele dizia: "Quando o monge percebe que todas essas emoções são impermanentes, ele fica desencantado com elas.". A primeira afirmação é mais agradável, não? Só que ela só é uma parte do caminho. Quando ouvimos de uma parte que está mais a frente, nós ficamos assustados, porque ainda não estamos prontos para entender. Só com uma mente leve enxergamos as coisas e entendemos o que é "Desencanto", mas não, muitos já falam: "Budismo prega inação. Theravada prega aversão. Buda falou para ser indiferente." mas tudo isso é Entendimento Incorreto.
Na forma como eu vejo, isso é o que acontece no preconceito para com a Theravada. Mas se você largar sua mente preconceituosa e olhar mais profundamente, vai perceber o que os mestres theravada querem dizer, e compreenderá porque às vezes eles parecem se contradizer, algo comum no Zen e no Budismo Tibetano também.
De qualquer forma, há mestres maravilhosos em todas as Escolas, mas aquela que você escolher vai definir muita coisa na sua prática. Continue lendo mais sobre, mas já tome cuidado com isso que eu disse. Tenha essa nova compreensão do quão profundo é o ensinamento de Buda, e assim você não ficará tão perdido quando ver mestres se contrariando, sejam eles da mesma Escola ou não. Como você disse, paciência é muito importante.