1- Posicionamento Político
Olá Asmita, tudo bem?
Legal sua comparação sobre as coisas cíclicas, mas se for ver, para as coisas serem cíclicas elas têm de ser impermanentes... Na verdade impermanência vai muito fundo, porque refere-se à impermanência de cada instante. Podemos dizer que Sol e Chuva formam um ciclo, sendo que ambos são impermanentes... Ou podemos dizer que numa hora chuvosa, num momento ela fica mais forte e em outro mais fraca... Podemos dizer que isso foi UM evento - chuva; ou podemos ver que cada instante dessa hora chuvosa foi único, porque cada instante é diferente do outro, a chuva é diferente, as pessoas são diferentes, a atmosfera é diferente... cada instante envolve surgimento e morte. Cada instante da dor de dente é um nascimento e morte... Impermanência é algo tanto macroscópico como microscópico. 1 vida humana é impermanente. 1 dia de vida humana é impermanente. 1 hora de vida humana é impermanente. 1 momento de vida humana é impermanente... Dá para olhar de várias perspectivas, mas não importe de onde se olhe ou mesmo "QUEM" olhe - o visto e aquele que vê são ambos, impermanentes.
Sobre o desaparecimento do Dharma, é a tendência rs... Por isso que nascer como ser humano quando o Dharma ainda está presente, mesmo que sob o exemplo da minoria, é algo muito precioso.
Nascer como ser humano em algumas situações realmente não é tão gratificante assim, contudo... Nascer como ser humano num país onde há fome, como a Nigéria; ou onde há guerras, como a Síria... seria difícil praticar o Dharma nessas condições, é claro... Mas ainda assim, para nascer como ser humano, tem que haver uma certa qualidade de karma causadora daquilo. E mesmo que não se entre em contato com o Darma nessa vida, só de poder nascer com as condições para poder observar, refletir e contemplar a vida, isso já é muito significante. Renascer como animal significa, basicamente (sem simplificar), seguir seus instintos e desejos às cegas. Renascer como ser humano é ter a oportunidade de perceber que há algo mais do que isso... apenas seguir desejos e preferência, que são impermanentes, por experiências que são impermanentes... Embora nem todos percebam e acabem vivendo só perseguindo seus desejos mesmo, às vezes de maneira ainda mais perigosa e obsessiva do que animais! rs
Mas o importante é cada um dar o melhor para trabalhar com o que tem, porque qualquer experiência é passível de defeitos. Ajahn Chah poderia ter achado sua condição na Tailândia muito pobre e difícil para praticar o Dhamma... A Monja Coen poderia ter achado a necessidade de estudar o Budismo no Japão como fator impossibilitante para seu caminho espiritual... A Ayya Khema poderia ter achado loucura tornar-se monja e tentar desenvolver amor-bondade após passar por traumas na sua vida por ter sido judia e ter sofrido a perseguição nazista... Se pessoas que foram/são consideradas iluminadas ou exemplares no Dhamma como essas tivessem procurado pontos negativos em suas vidas, com certeza achariam... Mas nosso papel não é focar nos aspectos negativos, mas sim tentar cultivar o caminho espiritual não só a despeito deles, mas também com eles, porque muitas vezes essas dificuldades que nos ensinam paciência, amor, frugalidade, simplicidade, gratidão e, especialmente, contentamento. Contentamento é básico. Como Ajahn Brahm diz, é saber dizer "Isso é bom o suficiente". Qualquer coisa é boa o suficiente. Por isso Contentamento anda junto com Amor e Equanimidade - é a capacidade de acolher qualquer coisa que a vida trouxer, e ser capaz de estar com aquilo, acolher aquilo, deixar aquilo estar, deixar aquilo passar quando for o seu tempo, e não conforme nossos desejos. Isso é liberação do Desejo e, por consequência, do Sofrimento.
Então, o ponto está justamente em trabalhar esses nossos anseios por circunstâncias melhores... Porque as circunstâncias NUNCA estarão perfeitas para praticar o Dhamma.
Não significa que se eu nascer na Síria vou me conformar com isso e apenas praticar o Dhamma... mesmo porque dependendo de onde se nasça, praticar uma religião que não seja a do país é visto como traição ao profeta que se deveria seguir por lá! Significa que, se nasci como ser humano e conheci o Dhamma, darei o meu melhor de acordo com as minhas possibilidades.
E é nesse esforço e nessas tentativas que a gente pode descobrir que muitas vezes o que achávamos básico para conseguirmos praticar bem o Dhamma, era só exagero da nossa parte. Não precisa de muita coisa para praticar o Dhamma... na verdade, se for ver mesmo, não precisa de quase nada rsrs... mas isso vai depender do nível espiritual e do Karma de cada um. Então, cada um deve esforçar-se dentro das suas possibilidades, sem desconsiderar as circunstâncias ambientais, mas também sem usá-las como motivo para desmotivar a si mesmo. Dê o seu melhor... vá tentando dar um jeitinho rs
O Brasil é um país difícil de se viver em vários sentidos mesmo... e às vezes o estresse para poder sobreviver e ter o que comer é tanto, que as pessoas realmente não conseguem ter tempo para estudar um caminho espiritual e cultivá-lo. Estão ocupadas demais estudando demais, lendo demais, trabalhando demais, competindo com pessoas demais, por pouco emprego, para pagar muitos impostos... Não dá para dizer que todo mundo vai conseguir praticar o Dharma... Mas também não dá, e não se deve dizer quais são as condições mínimas para se praticar o Dharma. Cada um deve esforçar-se para buscar uma maneira, na melhor das suas possibilidades. Não é possível estabelecermos condições mínimas, porque a depender do nível espiritual de cada um, é possível cultivar o caminho espiritual em situações excepcionais, incríveis... e você não pode dizer que esse não é o seu caso, porque você não sabe que potencial está aí dentro, ou quais karmas estão por vir, que oportunidades estão por vir, ou quais serão as consequências das suas escolhas... Não dá para prever. Então, dê o seu melhor no momento presente. Talvez você vá morar em outro país, ou vá virar monge em outro país, ou vá ter uma vida de sucesso material conciliada com prática espiritual, ou vá ter uma vida de muita dificuldade ou pobreza mas de riqueza espiritual... não se sabe... Ou pode ter uma vida criminosa, ou rodeada por pessoas que irão te trair, ou de depressão profunda... são tantas possibilidades!
O que podemos fazer? Dar o melhor de nós. Se isso não for o suficiente nesta vida, será a causa e karma para que, em vidas futuras, haja condições melhores...
E sobre Nirvana e Samsara serem a mesma coisa, isso é uma discussão polêmica no Budismo. É até um perigo discutir essas coisas, porque há monges que "perdem as estribeiras" quando vão discutir essas coisas rsrs... Vira um grande debate, porque aí os monges discutem que Nirvana não é algo fora do Samsara, que Nirvana stá dentro do Samsara... aí no final, ninguém entende mais nada! rs
Mas se for simplificar o que o Buddha falou, Nirvana é apenas cessação do Desejo, que leva a Parinirvana, cessação dos 5 agregados. Só isso.
Sobre renascer ou não, como o Sariputta disse no Sukha Sutta: "Renascer é sofrimento. Não renascer é felicidade." - http://www.acessoaoinsight.net/sutta/ANX.65.php
Você pode viver uma vida boa e plena, acreditando que tudo acabará com a morte. Mas, se o Buddha estiver certo, de que se houver ainda desejos no coração de encontrar a felicidade em algum fenômeno dos 5 agregados você irá renascer, então você vai renascer. Para o Buddha, só morre e não renascer, de fato, aquele que viu que nada que envolva os 5 agregados é digno de ser desejado. Se alguém terá fé ou consideração por isso, aí é outra história rs...
E se é mais fácil viver a vida pensando que com a morte, tudo acabará, é outra história também rs... Que envolve considerar que nem sempre o mais fácil é o mais sábio, ou é o que está de acordo com a Verdade.
Mas eu penso que, para um Iluminado como o Buddha, achar mais fácil viver a vida pensando que com a morte tudo se acaba ou achar estranho que o objetivo do caminho espiritual seja não renascer mais, acho que para ele isso é algo normal ou esperado da maioria das pessoas... Porque, se o que o Buddha ensinou for a verdade, para aquele que ainda há apego, praticar um caminho com o objetivo de não renascer mais seria muito estranho mesmo (como costuma ser para todos nós, quando tentamos entender o Budismo). Agora, para aquele que se libertou de todo o apego, deixar que o processo de renascer pare seria a única coisa lógica a se fazer - mas isso porque ele vê algo que nós não vemos. É isso que o Buddha está falando para nós. É como se ele dissesse que achamos o seu ensinamento estranho porque não enxergamos a Verdade... porque se a enxergássemos, então tudo se resolveria, e Nirvana seria reconhecida como a Felicidade Suprema.
É um desafio que alguns assumem... e alguns realmente ficam desconfiados se o Buddha não está falando a verdade quando têm experiências meditativas... Porque quando você sente um certo êxtase na meditação, você entende, na prática, o que o Buddha quer dizer com ser um observador impassível, imperturbado. É como se nada agitasse o coração.
Um Iluminado vai ainda mais fundo. Nada dos 5 agregados agita o coração. Pensamentos, experiências de êxtase, experiências divinas, fantasias, imagens assustadoras, visões sobrehumanas... quem finaliza o caminho que o Buddha traçou, vê tudo isso como passageiro. Não adianta se aventurar numa vida como Deva, num amor romântico, em jogos de video-game, numa vida monástica bem-aventurada ou em meditações extasiantes... forma é impermanente, sensações são impermanentes, formações mentais são impermanentes, consciência é impermanente... Isso significa que sua personalidade vai mudar, seu corpo vai mudar, sua mente vai mudar, suas vidas vão mudar, suas preferências vão mudar, suas opiniões vão mudar... tudo isso se encaixa nos 5 agregados. Então, o Buddha disse apenas isso. Qualquer coisa nos 5 agregados é impermanente. Quem liberta-se do apego a esses 5, não renasce mais. Isso é a libertação do sofrimento.
Qual a única coisa que não muda em todos os seres? O seu potencial de enxergar a mudança em tudo. E esse potencial só é certo porque tudo é incerto. Isso pareceu um paradoxo típico do zen
Então Budismo é isso. Pelo menos, o que está no cânone em páli é isso. Continue contemplando com carinho, e todos esses debates polêmicos de Nirvana x Samsara, renascimento e morte, entre outros, irão se aclarar aos poucos no coração.
2- Mara é isso. Sempre volta kkk... Não adianta o quanto você tente caminhar para o Nirvana, quando você vê, já está apegado em alguma coisa de novo... Não é fácil treinar a mente e o coração... É assim mesmo, é difícil. Como o Buddha dizia, esse "Desejo é pegajoso"... Ou como ele diz no Dhammapada, à medida que a mente é retirada do reino de Mara, ela se agita como um peixe retirado da água.
De qualquer forma, como eu disse há pouco, sob os olhos dos ensinamentos do Buddha, a única coisa que é certa em todos os seres é o potencial para a Iluminação. O resto (personalidade, hábitos mentais, dificuldades cognitivas, sensações crônicas [crônicas, mas impermanentes rs], corpos, etc) é impermanente, só esse potencial é permanente. Então, será que o sentido da vida é algo que sempre muda? O sentido da vida para um Iluminado na época do Buddha, e para um Iluminado hoje, diferem? O Dhamma e os ensinamentos são os mesmos ou eles mudam?
Perceba que a semente da Iluminação é a mesma em todos os seres, e, ainda assim, as manifestações dos fenômenos que carregam essas sementes são inúmeras. A forma como eles fazem essa semente florescer são inúmeras.
E se, sob um mesmo sentido para a vida, os contemplativos pudessem viver das mais diversas formas - como monges, como padeiros, como contadores, como engenheiros, como carpinteiros, como professores...?
Os estilos de vida, os valores sociais, as tecnologias, o ritmo de vida, as formas de subsistência, de organização social e do trabalho... essas coisas mudam... Mas isso significa que o sentido da vida também muda?
Algo que me toca o coração, como sugestão para reflexão, é sempre pensar que o sentido da vida é usar os agregados por generosidade e, ao mesmo tempo, contemplá-los de acordo com o que realmente são. Isso é tão genérico e simples, e ao mesmo tempo é sublime como o ensinamento do Buddha, porque essa ideia envolve justamente praticar o Dhamma e, ao mesmo tempo, poder viver a vida de maneiras diversas.
3- Como o Buddha diz, o início e o fim do mundo estão nessa mente. Ou como ele diz na Originação Dependente, Consciência dá origem à Mentalidade-Materialidade; e Mentalidade-Materialidade dá origem à Consciência. As pessoas perguntam - mas quem vem primeiro, Consciência ou Mentalidade-Materialidade? É como o símile de Sariputta, acho que foi dele: Esses dois elementos são como dois galhos pendurados um no outro. Se você derruba um, o outro cai junto. Quem caiu primeiro? É irrelevante. Se um cai, o outro cai junto. É isso que o Buddha quis dizer: não existe Consciência sem Materialidade-Mentalidade; ou não há Materialidade-Mentalidade sem Consciência. Ou ainda, não há conhecido sem conhecedor; ou, não há conhecedor sem conhecido
kkk... Ou, não há mundo sem mente; ou, não há mente sem mundo. Por isso, com a cessação dos agregados, cessa o mundo, cessam os renascimentos, cessa o sofrimento.
“O fim do mundo nunca poderá ser alcançado
por meio de viagens [pelo mundo],
no entanto, sem chegar ao fim do mundo
não há libertação do sofrimento.“Por conseguinte, o conhecedor do mundo, aquele que é sábio,
que chegou ao fim do mundo, realizou a vida santa,
depois de conhecer o fim do mundo, em paz,
não anseia por este mundo e outro tampouco.” - http://acessoaoinsight.net/sutta/SNII.26.php4- Bodhisatva é outro assunto polêmico. Mahayana e Theravada não convergem muito sobre esse tema.
Para ser honesto, não sei sobre algum livro ou filme específico para se estudar esse conceito. Mas é um conceito bem confuso, porque cada Escola coloca de um jeito e, quando você vai ver, cada monge dentro de uma mesma Escola coloca de um jeito rsrs...
Existem várias concepções conceituais.
No Theravada, Bodhisatva é basicamente o termo usado para referir-se "Àquele que virá a tornar-se o Buddha". Era o termo usado para referir-se a Siddhatta Gotama antes de tornar-se Iluminado.
No Mahayana a ideia, em geral, é que o Bodhisatva é o indivíduo que renuncia a sua Iluminação para poder ajudar aos outros no seu caminho espiritual. É aquele que "adia" seu Parinirvana para continuar a ajudar aos outros. Diz-se que aqueles que praticam dessa forma por muito tempo, por muitas vidas, acumulam o Karma suficiente para tornarem-se Buddhas, ou seja, aquele que faz a Roda do Dharma girar de novo depois que os ensinamentos desaparecem.
Eu, sendo do Theravada, sou tendencioso para falar sobre isso rs...
Mas sempre gosto de falar sob a ótica do que está no Cânone em Páli. E o que está no Cânone em Páli é que, se você atinge Sotapañña, você tem mais 7 vidas até se desiludir do Samsara... não é bem questão de escolha... É uma questão bem difícil no Budismo porque, sob a ótica do que o Buddha ensinou, a causa para continuar renascendo é Ignorância e Desejo. Se a pessoa atinge a Sabedoria e abandona essas coisas, não tem mais causa para ela renascer - e assim ela chega ao Parinirvana.
Como que o Bodhisatva vai renascer?
Aí começa o debate polêmico rs...
Alguns dizem que é pelo "DESEJO" dele de ajudar aos outros. É o desejo restante para causar renascimento. Outros dizem que aquele que atinge a Sabedoria Perfeita tem "poder" para controlar seus renascimentos. Mas o processo não é impessoal, ou Anatta - não-eu? Que poder temos sobre o Samsara, ou sobre Nirvana?
Eu simpatizo com a ideia de alguns monges do Theravada e do Vajrayana (Budismo Tibetano) de que essa qualidade de Compaixão Incomensurável do Bodhisatva, de sacrificar-se pelos outros, é justamente o que acelera a Iluminação rsrs... Renunciar à Iluminação, acelera a Iluminação, entendeu? rs Olha outro paradoxo estilo Zen.
O ponto não é salvar a mim mesmo ou salvar os outros. É entender o que é sofrimento, sua causa, a causa para sua libertação, e o caminho para libertação do mesmo. Esse é o ponto: as 4 Nobres Verdades. À medida que alguém entende que o sofrimento se dá pelo apego aos agregados, que são impermanentes... e que compreendê-los e usá-los somente por generosidade, enquanto se deixa que eles cessem A SEU PRÓPRIO TEMPO (e não conforme o momento que desejemos) leva a libertação do sofrimento, então é natural que essa pessoa sábia seja compassiva.
Quando alguém percebe que a causa do sofrimento é o Desejo, então o que ela passa a praticar é Bodhisatva. Quando ela vê que viver com Desejo é sofrimento, a única motivação lógica para ela se mover no mundo é Generosidade. A única coisa que pode fazer com que um Arahant, um Iluminado, se mova no mundo, é Generosidade. Não é vontade de comer, não é vontade de fazer sexo, não é vontade de jogar jogos, não é vontade de impressionar alguém, não é vontade de urinar... é generosidade. É a única coisa que faz um Arahant ou um vir-a-ser-Arahant se mover. Quem compreendeu ou está próximo de compreender absolutamente que não há nada nos 5 agregados digno de desejo, só se move no mundo por generosidade. Só usa os agregados por generosidade, para ajudar aos outros e a si mesmo com sabedoria. Isso é verdadeiramente incrível. Quanto mais nos abstemos de nossas preferências, e dedicamos nossa vida apenas a ajudar aos outros (e também a nós mesmos, mas com simplicidade) maior a renúncia, maior o desapego, maior o contentamento, maior o Amor Bondade, maior a equanimidade, maior o Entendimento Correto, maior a Atenção Plena, maior a Linguagem Correta, maior a Sabedoria, mais profundo é a Meditação/Samadhi... Virtude -> Meditação -> Sabedoria -> Nirvana, certo? Ou seja, quanto mais Bodhisatva você é, mais PRÓXIMO (e não mais distante) você está da Iluminação rs...
É com essa visão que simpatizo mais. Claro, como eu disse, sou tendencioso rsrs... Estou tentando te contaminar com minha opinião kkk... Não são todos que concordam com isso, mas fica a sugestão para reflexão... E contemple o que o Buddha ensinou!
Renunciar aos desejos é a forma mais rápida de parar de renascer. Na verdade, é A forma de parar de renascer rsrs... Para poder renascer, tem que ter um combustível. Qual é? Desejo. Se a pessoa atingiu a Iluminação, não tem mais Desejo. Se não tem mais Desejo, como ela pode adiar Parinirvana e continuar renascendo?
Mas não adianta ficar discutindo, é um assunto polêmico e há várias opiniões
Isso não é problema, todas as opiniões são bem-vindas, mas pense no que o Buddha ensinou. Se todos os Iluminados tivessem esse poder de adiar seu Parinirvana, porque não adiariam? Porque alguns são mais egoístas do que outros? O que é egoísmo para um Iluminado que reconheceu Anatta - Não-eu nos 5 agregados?
O ponto não é que para alcançar Nirvana, você tem de parar de desejar Nirvana. Na verdade dá para colocar assim, mas também dá para não colocar assim, e ainda assim falar do mesmo fenômeno mental. Ficar colocando em palavras a realidade não dá certo rsrs... De qualquer forma, a verdadeira Sabedoria que o Buddha pediu para alcançarmos é reconhecer que tudo é impermanente. Não adianta desejar elogio, prazer, êxtase, comida, renascimentos melhores, porque tudo é impermanente... Então, o caminho é abandonar a dupla desejo/aversão. Por que desejar a Iluminação também não dá certo? Porque a gente confunde Desencantamento com Aversão. A gente acha que quando a gente compreende o ensinamento do Buddha, o desejo que vem de libertar-se disso e alcançar a Iluminação é um desejo sábio, mas não é. É só aversão pelo Samsara. Aversão pelo Samsara é uma coisa; Desencantamento é outro. Quando se tem Aversão, você quer sair do Samsara porque ele não te agrada... tudo é impermanente e tão triste... você não quer mais passar por isso... Porém, se ocorre uma mudança na sua vida no Samsara e você consegue riqueza, elogio ou um renascimento melhor, você fica apegado de novo e a aversão desaparece.
Agora, se você está desencantado com o Samsara, não importa o que aconteça, a Sabedoria está no coração. Independente do que aconteça, o coração não se engana mais. Venham riquezas, êxtase, vidas no paraíso... nada tira do coração a convicção serena de que tudo passa. Essa convicção serena deixa esses fenômenos virem e irem sem desejo ou aversão. Esse é o treino que culmina em Nirvana. Usar os agregados apenas por generosidade, deixando-os vir, estar e passar. Esse é o sentido. E é assim que uma pessoa alcança Nirvana. "Deixando" que os agregados cessem a seu próprio tempo. Esse deixar que não tem como colocar em palavras. "Deixar passar", "desapegar", "deixar cessar"... isso que não tem como colocar em palavras. É para ser entendido pelos sábios, por eles mesmos, como o Buddha disse... Mas é assim. É assim que alguém alcança a Iluminação parando de desejá-la. É assim que alguém para de renascer, e alcança a felicidade suprema, sendo Bodhisatva. É assim que ajudando aos outros, se ajuda a si mesmo; e ajudando a si mesmo, se ajuda aos outros. É assim que a mente só se acalma quando deixamos que ela se acalme. É assim que a Iluminação ocorre quando deixamos que ela ocorra. É assim que conseguimos o melhor a nós mesmos fazendo o melhor sempre aos outros primeiro. É tanto paradoxo Zen justamente para ver que tentar colocar o Dhamma em palavras é uma grande cilada! rs
No Budismo Tibetano se diz que devemos colocar os outros sempre acima de nós mesmos. Em palavras, parece que os sábios não têm consideração por si mesmos, ou sacrificam a si mesmos. Mas, na Verdade (com V maiúsculo), isso é uma consequência natural para aquele que chegou ao Entendimento Correto de que correr atrás de seus desejos só o leva a mais sofrimento, mais Samsara. A única coisa lógica que faz um Sábio se mover, de novo, é Generosidade. Não tem mais nada que possa fazer um Sábio se mover no mundo. Se não há nada permanente, não faz sentido correr atrás dos desejos para ter prazeres, construir coisas, construir família ou alcançar uma vida no paraíso. Fazer essas coisas por desejo sensual, não faz mais sentido para um Sábio, um Iluminado. Só faz sentido se for para beneficiar aos outros. Por isso que parece que um Sábio está sempre sacrificando a si mesmo, mas na verdade não está... é a única coisa lógica para ele fazer. Não tem mais nada para fazer. E assim ele vive, até que os seus agregados cheguem ao seu fim NATURAL. É NATURAL. Quando não tem mais Tanha (Desejo), e o último corpo cessa de funcionar, é natural - não tem mais renascimento. Essa é a natureza do processo. Esse processo não tem dono. É Anatta - Não-eu. Não somos nós que estabelecemos se vai ter mais renascimento ou não. Se a causa estiver ali, haverá renascimento. Se não estiver, não haverá. Essa é a Compreensão da Condicionalidade que leva a Sotapañña, a Entrada na Correnteza. Assim disse o Buddha
E assim vivem os Iluminados. Deixam os agregados virem, estarem e irem a seu próprio tempo. Sem desejo de que uma experiência venha e dure mais, ou de que uma experiência dure menos ou vá embora logo. Sem desejo, sem aversão. Pura equanimidade, acolhimento e contentamento. Serenidade e Generosidade. Assim são os sábios. Deixam as coisas acontecerem a seu próprio tempo. (quantas vezes que eu já não digitei "a seu próprio tempo" nesse fórum? rsrs)
Assim o é com todos os seres. Cada qual atingindo Nirvana a seu próprio tempo. Então, penso eu que os sábios não se sentem mal em entrar em Parinirvana e deixar um monte de gente sem a Iluminação, porque eles sabem que cada um chegará lá a seu próprio tempo. É assim que se atinge a Iluminação. Deixando que tudo siga seu fluxo. É assim que se vive sem Desejos obsessivos. É assim que um Iluminado se move, só por Generosidade. É assim que Bodhisatvas viram Arahants. Ou pode-se dizer, é assim que Arahants são Bodhisatvas. Ou, ainda melhor, como dizia Ajahn Chah: não seja um Bodhisatva, não seja um Arahant, não seja coisa alguma. Porque, se você pensa ser alguma coisa, você sofre. Mas, no final das contas, o que realmente importa olhar? Impermanência, Insatisfatoriedade e Não-eu. Olhe para o Não-eu, em vez de olhar para o ser isso ou aquilo.