Olá André! O comentário que você colocou no seu título é realmente comum, eu mesmo o faço às vezes [rs]... Apesar disso, eu também digo (como o Shaka colocou) que meditação é pra todo mundo - basta ser um ser humano e você já pode meditar, basta respirar, basta ter uma mente e um corpo, não é necessário vestir nenhuma religião para isso.
O motivo pelo qual pessoas como eu podem dizer coisas como essas, na verdade, é justamente por Compaixão. No final das contas, adotar a prática budista com "intenções terapeuticas" é excelente, mas se você puder ir além disso, os benefícios poderiam ser maiores. Por quê?
Aqueles que adotam o Budismo "inteiramente", acabam tendo de considerar o Renascimento e a Lei do Karma também, e pode não parecer, mas isso pode ser um grande diferencial na prática. Se a pessoa se sente atraída ou "convencida" pelo ensinamento do Renascimento e Origem Dependente, assim como Nirvana, a prática dela se torna mais profunda. Porque algumas pessoas, como os ateus (alguns) que adotam o Budismo, adotam prática de virtude e meditação pensando nessa vida, mas outras pessoas que se intitulam budistas (algumas de novo rs) praticam considerando o que o Buddha disse sobre o Renascimento. Essa consideração pós-morte costuma ser um diferencial, e aqueles que se inclinam mais a essa teoria (porque não viram por si mesmos) do que a acreditar que a morte é o fim, praticam com mais vontade e inspiração.
É por isso que muitos dizem que é uma pena que as pessoas usem o Budismo como terapia, porque essas pessoas geralmente deixam ensinamentos como Renascimento e Nirvana de lado que, no final das contas, costumam ser extremamente benéficos para a prática concreta e presente, mesmo que ainda não se tenha compreensão direta dessas coisas. Porque considerar essa ética pós-morte do Renascimento traz mais inspiração para você praticar.
Mas se você acha que isso de considerar algo que você não viu por si mesmo será um obstáculo, não há problema algum nisso, você pode "usar o Budismo como terapia" da mesma maneira. O que alguns praticantes (pessoas que praticam mesmo) colocam, é que considerar o Renascimento e usá-lo para reflexão, tanto como coisas factuais como a Impermanência, são muito benéficos á prática, inclusive num sentido terapêutico [rs].
Mas não há problema algum se você quiser usar Budismo como terapia. Você pode fazê-lo e se intitular budista, pode fazê-lo e não se intitular budista, tudo convenção.
Você pode encontrar outro caminho para sua paz interior, mas, eu acho que você concordará com o que vou dizer, esse caminho vai ter de ter Virtude - Meditação - Sabedoria; ou não? Budismo é basicamente isso. Só que as palavras que vão te mostrar como praticar isso podem ser diferentes, é só por isso que surgem essas diferenças de Budismo x Hinduísmo x Cristianismo x Filosofia x Deísmo e assim por diante.
Outro problema é quando se enfatiza só alguns fatores. Alguns colocam que só Meditação é necessário - isso era o que os yogis faziam na época do Buddha. Outros dizem que a Virtude leva a felicidade eterna. Outros colocam que através da reflexão constante conseguimos Sabedoria e purificarmos a Virtude. Mas o Buddha aconselhou (conselho, uma dica rs) que os 3 (Virtude, Meditação e Sabedoria) devem ser combinados dessa maneira. Não adianta você ser virtuoso para ter boa reputação, ou sair da meditação e ficar "bêbado" com o êxtase sem direcioná-lo para investigar os fenômenos, você precisa combinar os três métodos corretamente, só um ou dois isoladamente não funcionam - esse é o ensinamento do Buddha.
Se você concordou com isso e viu que isso é benéfico a si mesmo, não sei qual seria o motivo para você parar. Alguém te ofendeu ao dizer que é errado usar o Budismo como uma terapia?
Não existe erro algum. Mas se você quiser pegar o Budismo todo, inclusive o ensinamento de Renascimento, e não só a parte "psicológica", pode ser que você tire mais benefícios - e isso é o que geralmente acontece.
De qualquer maneira, mesmo que você encontre outro caminho, não vejo problema algum. Só espero que seja Virtude - Meditação - Sabedoria, e não só um ou dois desse trio essencial. Se as palavras que orientam para a prática desse trio são palavras diferentes do Budismo, mas apontam para a purificação da mente da mesma maneira, também não há problema algum. Pode pegar esse método e chama-lo de Psicologia, Psicoterapia, Cristianismo ou seja lá o que for.
Mas lembre-se do êxtase que você alcançou em meditação - de onde ele veio? Veio do "abrir mão", "desapegar", "largar", "deixar ir", "permitir cessar". Isso é a palavra páli Viraga, que o Buddha disse que é o supremo ao qual devemos reconhecer como o caminho para Nibbana. Primeiro abrimos mão de comportamento maléficos e com uma mente mais limpa investigamos, aos poucos, todos os fenômenos, para reconhecer profundamente que eles nos trazem sofrimento quando nos apegamos a eles. Somente quando reconhecemos esse sofrimento que nós abrimos mão, que nós largamos, desapegamos. Por isso que Sabedoria conduz ao Desapego, que conduz a Libertação (Nirvana).
Pode buscar outra religião ou terapia se quiser, mas por favor, considere o que você aprendeu com o Budismo sobre Desapego. Essa é a chave para entender para onde toda a prática budista é direcionada. Se você encontrar outro caminho, sem problema, mas tente investigar se isso o conduz para o desapegar, o relaxar, o permitir cessar. "Isto é o sublime, a cessação, o silenciar das formações, Nirvana." foi o que o Buddha disse.
"Eu sou budista", "Eu sou homem", "Vou trabalhar", "Vou comer", todas essas formações o Buddha pediu que as usássemos com sabedoria. "Eu" é uma ilusão, mas um iluminado usa o pronome "Eu" para se comunicar. O prazer proveniente de comer é pouco duradouro, mas o Iluminado come para manter o próprio corpo e, assim, se manter vivo para ensinar o Dhamma. Um leigo vai trabalhar mas, através da reflexão, continuamente ensina a mente a não se apegar a reputação no trabalho ou a aqueles apegos "Sou gerente... Sou o encarregado... Que vergonha, sou um lixeiro!", mas a reconhecer o valor do que faz e a usar seu dinheiro para manter a si mesmo. E para que manter a si mesmo? Para fazer o que quiser, assaltar, fazer brincadeiras de mau gosto... Ou treinar a si mesmo e ser de benefício para outros seres? Veja como formações como dinheiro e comida podem ser usadas para fins diferentes. A questão é que devemos usar essas coisas com sabedoria, sempre ensinando a mente a usá-las com intenções benéficas, mas sem se agarrar, sem se identificar de tal forma que as contaminações.
Isso não é fácil e requer reflexão constante. Reflexão e Meditação - os dois poderes (Bala, em páli) que o Buddha disse que permeam a transformação do corpo, mente e linguagem. Todos focados em lembrar do sofrimento de se apegar e da felicidade em abrir mão, desapegar e usar as formações com sabedoria e desprendimento.
Eu espero que você se lembre profundamente desses ensinamentos. Essa é a essência do Budismo. A mente pode encontrar prazer em qualquer coisa - os masoquistas encontram na dor, não é? Se você ensina a mente a encontrar no sexo, é ali que ela vai ir quando se sentir cansada ou frustrada. Se ensiná-la a encontrar na comida, é para lá que ela irá quando você se sentir ansioso - ansiedade e obesidade têm ligação muito forte, não é?
Mas o Buddha alertou que tudo isso é apego a formações impermanentes que nos mantém girando no Samsara, buscando felicidade sempre em mais formações e formações. Por isso ele deu ensinamentos como Impermanência para nos alertar - "parem de buscar felicidade nisso, ensinem a mente a buscar felicidade na renúncia das formações porque renúncia mostra as coisas como de fato são, comida ou sexo não mostram". No final das contas ambos são hábitos, não é? Mas o Buddha disse que o condicionamento que gosta da renúncia conduz aquele estado meditativo onde certas áreas da mente ficam desativadas por um bom tempo e, nesse instante, é que enxergamos a realidade sem distorções provenientes de hábitos. Cada um vê o mundo de acordo com os próprios hábitos. Mas há um hábito que conduz a ver as coisas além das próprias distorções e condicionamentos de hábitos colocados na mente.
Você pode praticar isso sem considerar Renascimento, não tem problema. Mas se você considerar, provavelmente sua prática será mais poderosa. Essa é a única diferença. Quem "usa Budismo como terapia" só se diferencia nisso - pratica os aspectos psicológicos do Budismo desconsiderando o que não é "científico", é só isso, não é? Qual é a intenção errada em usar Budismo como terapia? Não é questão de certo ou errado. Muitos budistas ocidentais não acreditam no Renascimento, mas vão a monastérios, praticam meditação, entre outras coisas. Isso depende de cada um. Pense nisso com carinho.
E cuidado com alguns psicólogos que ensinam meditação, mas não ensinam virtude. Ensinam você a meditar, mas não falam que você deve mudar suas intenções ou adotar preceitos para purificar suas atitudes - sem isso a meditação não anda para frente. Por isso eu disse: Virtude - Meditação - Sabedoria - Desapego - Libertação; se não tiver esses fatores, seja cuidadoso e sempre questione o que é válido.
E repense isso de usar Budismo como terapia. Por que a sua intenção está errada? Se a sua intenção é encontrar a paz em si mesmo e ajudar outras pessoas a fazerem o mesmo, é a intenção correta. Se não quer considerar o Renascimento, sem problema - do ponto de vista budista, seria mais "poderoso" para sua prática. Mas pode fazer sem tal consideração, isso não é ofensivo para o Budismo. Se alguém faz o comentário que você colocou no seu título de forma arrogante ou crítica, deixe essas pessoas de lado. Esses comentários só são benéficos quando feitos com a intenção benéfica de aconselhar - se você usar o Budismo não só como terapia, mas também usar o ensinamento de renascimento, eu acho que você pode avançar ainda mais rápido, por que não tenta? Sempre foi nesse sentido que eu fiz esse comentário, mas não vejo nada de errado, de "intenção errada". É como os rituais de venerar as estátuas do Buddha. Se você acha que o que importa são os números "Venerei 350 vezes!", você está perdido. Se você venera por respeito e admiração, melhor. Agora, se quando você venera as estátuas você aplica e sustenta um sentimento de gratidão, inspiração e coisas que reduzam o Ego, então você tirou mais proveito ainda. A mesma atitude, mas com resultados diferentes. A questão que estamos falando é a mesma coisa. O primeiro que conta quantas vezes venerou a estátua, é como aquele que fala que é budista porque "está na moda ser budista" (eu acho isso tão engraçado rs). Você, felizmente, já não está nisso - você está praticando o Budismo para treinar a mente. Essa é a intenção perfeita, não há intenção errada aí. A única diferença é que você não usa o renascimento na reflexão ou na meditação, outros usam. Apenas isso. Boa sorte!