Budismo e Vegetarianismo
Apesar de haver uma imagem de que os budistas são vegetarianos, isso não é, originalmente, obrigatório. Mesmo o Buda comia carne! Entretanto, você deve considerar alguns fatores antes de escolher o que terá em suas refeições e, especialmente, o que aceitar quando te oferecerem alimento.
Eis aqui uma questão que divide muitos budistas e que, diante dos ensinamentos profundos de Buda, não é tão simples quanto se imaginava: é obrigatório ser vegetariano para ser budista? Não será fácil responder essa pergunta, então vamos devagar e leia pacientemente antes de construir suas próprias críticas e opiniões.
Primeiramente, não: não é obrigatório ser vegetariano para ser budista. Apesar de a maior parte das Escolas Mahayana contrariarem tal afirmação, os relatos apontam de forma clara e coerente que o Buda comia carne - e em suas regras monásticas ele não exigiu que os Monges seguissem o Vegetarianismo.
Isso se deve ao fato de que na época de Sidarta Sakyamuni, o Buda, os praticantes espirituais eram mendicantes e Sakyamuni resolveu adotar essa prática, pois ela era útil para que o praticante não se submetesse aos desejos da mente, desenvolvesse contentamento para tudo aquilo que se lhe apresentasse no momento e que, acima de tudo, ele pudesse contemplar a "Impermanência do que lhe era disponibilizado para comer". Assim sendo, Buda prescreveu que os monges deveriam aceitar qualquer comida que lhes fosse oferecida de coração e, mesmo que ela estivesse ruim, eles deveriam comê-la por compaixão e com contentamento.
Entretanto, Buda proibiu:
- Canibalismo, o consumo de carne humana;
Provavelmente não há muito que se explicar aqui: seria incorreto consumir o corpo em que se instalou um fluxo de Karma semelhante ao seu - um fluxo que assim como você, teve a bênção de frutificar num corpo humano.
- Consumo de alimento feito especialmente para um monge;
Buda não queria que os monges desfrutassem de comida, ainda mais carne, feita especialmente para eles. Os monges deveriam se alegrar com aquilo que as famílias comiam normalmente.
- Carne de cachorro, elefante, cobra, tigre, urso, cavalo, panteras e hienas.
Essas carnes foram proibidas em grande parte por influência das superstições da Sociedade. Apesar de ter quebrado vários paradigmas, Buda não transgrediu certas crenças como a de que as carnes de cavalo e elefante eram sagradas. Ao mesmo tempo, comer carne de cobra, tigre, urso, panteras ou hienas era visto como algo perigoso - dizia-se que um cheiro era deixado por aquele que as comessem o que poderia atrair animais da espécie consumida.
Portanto, as únicas proibições constantes no Vinaya (código de Disciplina mais antigo para os monges) são a de que não se pode comer comida dedicada a um monge e as carnes supracitadas. Especificando o segundo tópico, Buda proibia que se comesse carne especialmente abatida para um monge - nada deveria ser dirigido de forma especial a um monge: a comida dada a ele deveria ser feita humildemente, um praticante não devia desfrutar de prazeres culinários, mas sim entestar com suas próprias barreiras e desejos. Leia o trecho abaixo, em que Jivaka é um discípulo leigo e Gautama é o sobrenome de Buda, Sidarta Gautama:
"Então, Jivaka Komarabhacca foi até o Abençoado e depois de cumprimentá-lo sentou a um lado e disse:
(Jivaka): Venerável senhor, eu ouvi isto: ‘Eles matam seres vivos para o contemplativo Gautama; o contemplativo Gautama conscientemente come comida que lhe foi preparada com animais que foram mortos por sua causa.’ Venerável senhor, aqueles que assim dizem, falam aquilo que foi dito pelo Abençoado e não o deturpam com algo contrário aos fatos? Eles explicam de acordo com o Dharma de tal modo que nada que possa dar margem à censura possa de forma legítima ser deduzido da declaração deles?
(Buda): Jivaka, aqueles que dizem isso não falam aquilo que foi dito por mim, mas me deturpam com algo que não é verdadeiro e é contrário aos fatos. Jivaka, existem três situações nas quais a carne não deve ser comida: quando for visto, ouvido ou suspeitado que o animal tenha sido sacrificado para o monge. Eu digo que carne não deve ser comida nessas três situações. Eu digo que há três situações nas quais carne pode ser comida: quando não for visto, ouvido ou suspeitado que o animal tenha sido sacrificado para o monge. Eu digo que carne pode ser comida nessas três situações.
Aqui, Jivaka, um monge vive na dependência de um certo vilarejo ou cidade. Com o coração pleno de amor bondade, ele permanece permeando o primeiro quadrante com a mente imbuída de amor bondade, da mesma forma o segundo, da mesma forma o terceiro, da mesma forma o quarto; assim, acima, abaixo, em volta e em todos os lugares, para todos bem como para si mesmo, ele permanece permeando o mundo todo com a mente imbuída de amor bondade, abundante, transcendente, imensurável, sem hostilidade e sem má vontade. Então, um chefe de família, ou o filho de um chefe de família, vem até ele e o convida para uma refeição no dia seguinte. O monge aceita, se quiser. Quando a noite termina, pela manhã, ele se veste, e tomando a sua tigela e manto externo, vai até a casa daquele chefe de família, ou filho de um chefe de família, e senta num assento preparado. Então, o chefe de família, ou o filho de um chefe de família, o serve com comida de boa qualidade. Ele não pensa: ’Que bom que o chefe de família, ou o filho de um chefe de família, me serve com comida de boa qualidade! Se ao menos um chefe de família, ou o filho de um chefe de família, pudesse me servir essa comida boa no futuro!’ Ele não pensa assim. Ele come a comida esmolada sem estar preso, apaixonado e totalmente comprometido com ela, ele come vendo o perigo nela e compreendendo como escapar dela. O que você pensa, Jivaka? Aquele monge em tal ocasião optaria por sua própria aflição, pela aflição dos outros, ou pela aflição de ambos?
(Jivaka): Não, venerável senhor.” - (retirado de Jivaka Sutta - acessoaoinsight)
Então você poderia perguntar: e quanto ao preceito de não matar? Pois bem, é aqui que o ensinamento profundo de Buda se mostra novamente complicado para nossas mentes especulativas. O ensinamento de Buda busca, entre outros objetivos, mostrar a nós que o sofrimento é inerente ao mundo. Se todos somos interligados, não há como não criar sofrimento. Não devemos matar por interesses mesquinhos e por apegos fúteis ou mesmo sutis - entretanto comer a matéria, inclusive aquela que compõe outros seres, faz parte da natureza do Samsara, o ciclo de Renascimentos que habitamos, o nosso mundo. Sidarta percebeu isso em sua infância, quando entrou em Jhana depois de ver pássaros comendo minhocas na terra recém-arada.
Somos interdependentes, um depende do outro nessa teia da vida. Nos alimentamos da matéria um dos outros nesse mundo para sobrevivermos e mesmo quando comemos um vegetal criamos sofrimento! Muitos não param para pensar nisso: mas vegetais também são seres vivos! Mesmo quando comemos um fruto, estamos tirando a oportunidade de que uma semente venha a ser uma fonte de renascimento para algum fluxo de Karma. Percebe a complexidade?
Além disso, Buda permitia que os leigos comprassem carne sacrificada para consumo, mas não permitia que eles próprios sacrificassem o animal para comê-lo - somente o segundo caso seria matar com intenção, indo contra o primeiro preceito (se você acha que comprar carne é matar indiretamente, leia as perguntas ao fim do texto para saber mais sobre esse fator).
Então Buda queria que percebêssemos que o sofrimento faz parte desse mundo. Entretanto, há um porém: podemos criar mais ou menos sofrimento, e é aí que entra o Vegetarianismo.
Em muitos filmes budistas, é feita uma piada com o preceito de matar: atores encenam monges diante de dois animais, um predador e o outro a presa, e não sabem se salvam a presa ou se devem dá-la ao predador. O fato é que esse é o fluxo do Samsara, o mundo em que vivemos: tudo é interligado, nada existe sozinho, tudo é impermanente e, portanto, insatisfatório. Outra coisa muito importante é que cada um está arcando com o próprio Karma: então se um fluxo de consciência se instala no feto de um pardal e o outro origina uma serpente, provavelmente há influência kármica aí - há muitas leis "éticas" regendo as relações kármicas. Além disso, se você salvar a presa, o predador passa fome. Se você sanar a fome do predador, a presa sofrerá. Então, em muitos casos, não devemos interferir no funcionamento da natureza.
Portanto, o Buda percebeu que não podemos evitar o sofrimento. Podemos apenas criar mais ou menos sofrimento. Ele mesmo, em sua época, pedia aos seus discípulos que fossem prudentes ao aceitar dos leigos a oferenda de frutos para que se estudasse se nenhuma semente "viva" seria desperdiçada. Portanto, devemos nos esforçar para criar menos sofrimento possível, mas ele é inevitável - o mundo é Dukkha, inconstante e incerto.
Entretanto, para auxiliar no treinamento da mente do praticante espiritual, Buda prescreveu que os monges se contentassem com qualquer comida que lhes fosse oferecida, obedecendo-se as restrições supracitadas.
Ajahn Brahmavamso contou certa vez sua experiência. Tendo sido um vegetariano convicto em sua vida laica, foi obrigado a abandonar seus costumes ao se tornar monge - isso porque alguns mosteiros são vegetarianos e outros não. No mosteiro ao nordeste da Tailândia em que Ajahn Brahm ingressou, ele conta que "...corajosamente encarava aquele arroz pegajoso e sapo fervido (os ossos do corpo inteiro e tudo), ou lesmas de borracha, formigas vermelhas com caril ou gafanhotos fritos - eu teria dado qualquer coisa para ser um vegetariano de novo! No meu primeiro Natal no nordeste da Tailândia um americano veio visitar o mosteiro, uma semana ou menos, antes do dia 25. Parecia bom demais para ser verdade, ele tinha uma fazenda de perus e, sim, ele rapidamente entendeu como vivíamos e prometeu-nos um peru de Natal. Ele disse que iria escolher um belo e um gordo especialmente para nós... e o meu coração afundou-se. Não podíamos aceitar a carne sabendo que tinha sido morta especialmente para os monges. Nós recusamos a oferta. Então eu tive que contentar-me com a refeição dos aldeãos - rãs novamente". - (retirado de amentemente: O que o Buda disse sobre comer carne)
Isso mostra o porquê do Vinaya proibir de se comer comida especialmente dirigida a um monge: ele deve comer coisas simples para que os fatores externos sejam facilitados ao seu treinamento interior, que deve ser cada vez mais purificado do apego e da aversão, seja do apego a um vegetal ou da aversão a uma carne, ou mesmo a uma comida vegetariana mal feita.
Monge Gensho ressaltou certa vez que manter uma mente discriminativa e orgulhosa, escolhendo o que se comer e rejeitando as ofertas de alguém pode ser não-compassivo. Lembrou também que para ele, um dos grandes mestres Zen foi um monge que, contemporâneo de Buda, recebeu a comida de um leproso cujo polegar apodrecido caiu à tigela misturando-se com a comida oferecida: ainda assim ele comeu a comida muito contente - a questão do contentamento outra vez nos ensinamentos do Buda.
Portanto, para aqueles que estavam convictos de que o Budismo adotava o Vegetarianismo, saibam que isso não é verdade: aliás, pode ser que o Buda tenha morrido por ingerir carne estragada, de acordo com o Cânone em Páli (esse fato não é comprovado, pois há dúvidas na tradução deste trecho do Cânone). Apesar do Mahayana refutar que Buda comia carne, a coerência dos escritos mais antigos confirma, sem controvérsias, que o mesmo consumia alimentos de tal origem.
Portanto, o essencial é que cada um contemple a mesma realidade que Sidarta contemplou quando ele viu, ainda criança, uma minhoca sendo comida por um pássaro durante o festival em sua tribo: tudo está interligado e o sofrimento é inerente nesse mundo. Mesmo quando comemos um vegetal, há sofrimento indiretamente ligado a isso. Patrul Rinpoche, um monge tibetano, disse no século XIX que se soubéssemos de todo o sofrimento envolvido na produção de chá, não beberíamos sequer um gole - não só a questão das sementes e dos vegetais, mas também os insetos e animais prejudicados na plantação devem ser considerados. Entretanto, precisamos nos lembrar que o Samsara é regido pelo Karma: cada um está lidando com as próprias consequências de seus atos passados (isso não é determinismo, não confunda), inclusive ao renascer em determinada existência.
Então, cabe a nós contemplar mais um dos assuntos propostos pelo Buda. Cabe a nós conciliar nossa gastronomia com o treinamento da mente, que deve envolver contentamento e compaixão.
Apesar disso, adotar o Vegetarianismo pode ser benéfico a vários seres! Se puder fazê-lo, faça-o. Entretanto, não cultive uma mente discriminativa, que recuse carne oferecida gentilmente por alguém para o seu sustento. Como apontou Lama Padma Santem, um Budista pode comer qualquer coisa, deve comer qualquer coisa que lhe seja oferecida, mas sua dieta é vegetariana no seu âmbito central.
Isso porque entram aí questões sociais e ambientais também: carne implica em mais animais liberando gases estufa e, nas leis biológicas da Cadeia Alimentar, há mais energia se comermos diretamente um vegetal do que se comermos uma carne de um animal que comeu um vegetal - logo, o Vegetarianismo é útil no combate à fome e ao aquecimento global.
Mas não devemos discriminar a carne. Devemos cultivar Atenção Plena e lembrar sempre que tudo está interligado. Dar preferência aos frutos e verduras pode ser benéfico, mas não devemos ser estritos. Caminho do Meio e a maneira mais importante para purificarmos o Karma está em nossas mentes: no âmbito exterior, o Samsara é mais complexo em sua interligação do que imaginamos.
Então, se você é Budista, saiba que você não é obrigado a abandonar carne. Saiba, também, que na verdade não é tão nobre assim comer estritamente comida vegetariana - há sofrimento embutido da mesma forma. Entretanto, dar preferência, sem extremismo, aos vegetais do que às carnes possa ser o melhor devido a fatores sociais e biológicos, mesmo preferência a frutos, com cuidado especial as suas sementes. Como fazem muitos mosteiros budistas, especialmente dos ramos Mahayana e Zen, você pode promover o Vegetarianismo, mas se te oferecerem carne ou se você precisar de comê-la por questões de saúde, como prescreve a medicina Tibetana - o que justifica o Dalai Lama consumir carne às vezes - não seja discriminativo: lembre-se dos ensinamentos do Buda acerca da Interdependência, do Karma e da Impermanência. Não se apegue ao Vegetarianismo.
No final das contas, mais uma vez o Buda nos aponta o Desapego como o Caminho do Meio. Cabe a cada um de nós, como sempre, contemplarmos por nós mesmos.
- Eu entendi que o Buda disse que os monges deveriam aceitar tudo o que lhes fosse oferecido, mas eu sou um leigo e preciso garantir o meu sustento em vez de receber algo que eu possa simplesmente aceitar. Como agir nessa situação? O que eu escolho? Nesse caso o preceito de não matar intencionalmente pode ser violado?
De acordo com monges e estudiosos dos Suttas, um leigo não pode matar um ser intencionalmente a fim de comê-lo, mas pode comprar vegetais e carnes disponibilizadas no mercado. Então, você não pode matar algum ser para comer, isso é matar com intenção o que é contra o primeiro preceito, mas pode comprar carne de animais já sacrificados e se alimentar dela.
- Mas comprar carne é matar com intenção - você estará matando indiretamente!
Vou propor algumas coisas para você refletir sobre. Nesse momento pode ser que você esteja sentado numa cadeira de madeira - você teve a intenção de cortar a árvore? Caso você esteja lendo esse texto em um computador, você sabia que é gasta mais de uma tonelada de água para construir apenas um computador? Pode-se dizer que só a sua existência já causa sofrimento: você está consumindo oxigênio que algum outro ser poderia consumir, ocupando espaço que poderia ser usado por outro indivíduo ou afetando algum ecossistema ao usar energia elétrica proveniente de uma Usina Hidrelétrica, por exemplo - você tem a intenção de estar atrapalhando os outros seres ao fazer isso? Veja que é o mesmo caso: assim como você sabe que ao comprar carne um animal foi morto, ao usar energia elétrica você sabe que muitos seres estão sendo afetados - isso envolve intenção?
Você poderia dizer "Se é assim, então vou me matar por compaixão pelos outros seres!", mas isso é compaixão falsa, compaixão sem sabedoria! Enquanto houver apego, seja ao surgimento ou a morte de um pensamento, de um acontecimento ou de você mesmo, você continuará atado ao Samsara e continuará nascendo e morrendo, continuará envolvido nesse mundo onde a Interdependência é incontestável - você escolheu nascer neste mundo caracterizado pelo sofrimento advindo da interligação? Não podemos saber especulando, mas o fato é que você está aqui. Se você se apegar, você acha que poderá sair do Samsara para não colaborar mais com o sofrimento dos outros seres? O suicídio não é a solução. O Buda nos propôs que é através do Desapego que saímos do Samsara, e não do suicídio - Desapego não é querer se matar, ainda há apego e aversão aí, o desencantamento do Nirvana é algo que traz paz, não Aversão.
Além disso, se você pensar rigidamente como acima, dizendo que você está consumindo oxigênio que poderia ser usado por outro ser ou que por morar em um prédio você está colaborando para o desmatamento da moradia de outros animais, você não chegará a lugar algum! Apesar de saber que quando você usa um caderno, ele veio do corte de árvores, isso significa que você teve a intenção de cortá-las?
Fica a dica para você contemplar sem rigidez - aliás, compaixão requer flexibilidade e Caminho do Meio.
- Eu já li várias histórias de monges e pessoas que viram animais passando fome, ou que se encontraram naquele dilema da presa x predador, e que acabaram dando seu próprio corpo como alimento para o animal e/ou a presa. Você disse que não devemos interferir no funcionamento da natureza - então estas pessoas estão erradas?
Isso é mais complicado do que se pensa. Afinal, essas pessoas estiveram espiritualmente elevadas, muitas tendo provavelmente adotado o voto de se tornarem Budas Perfeitamente Iluminados. Se você ver algum animal com fome e der sua carne morrendo de medo, mas convencido de que está sendo compassivo, haverá sabedoria aí?
Eu li uma vez que Ajahn Brahmavamso disse que ao sairmos do Jhana ficamos tão felizes e tão tranquilos que somos capazes de pedir aos mosquitos que venham nos picar, pegar nosso sangue por compaixão a outras possíveis vítimas de suas picadas. Isso é compaixão com sabedoria, que surge quando enxergamos a realidade profundamente, desapegamos de nossos corpos e atingimos Jhana, em que os 5 obstáculos estão ausentes. Então, estas pessoas que doaram seus corpos deveriam ter meditação e sabedoria muito desenvolvidas, caso contrário seus atos teriam sido apenas fundados numa fé misturada com medo. Então, outra vez devemos ser sensatos e flexíveis - se você ver um animal com fome, você daria seu corpo com sabedoria? O faria depois de ter desenvolvido sua prática meditativa durante muito tempo, compreendendo a verdadeira felicidade do desapego, mesmo do corpo, e enxergando a realidade dos fenômenos? Esse é outro tema polêmico para contemplarmos.
- Então o Vegetarianismo não é importante para a purificação espiritual?
Como dito acima, há questões kármicas, biológicas e sociais por trás dessa questão. Devido aos dois últimos fatores, o Vegetarianismo pode ser mais benéfico, mas se você recusar com rigidez a oferenda da carne de alguém, você estará desenvolvendo não só Má Vontade e não-compaixão, mas também ignorância acerca da realidade da Interdependência do Samsara. Então, a verdadeira prática acontece dentro de cada um. E quando ela é feita, desenvolve-se Contentamento - com isso, você não come algo porque é gostoso ou apenas para se satisfazer, você começa a aprender a comer o que precisa, de tal forma que não tirará da natureza além do que você necessita, o que é benéfico a seres tanto animais como vegetais.
Podemos encontrar uma pessoa que coma carne e seja muito bondosa, ao passo que um vegetariano pode ser muito mesquinho e presunçoso. Logo, apenas poupar os animais não vai purificá-lo espiritualmente. No final das contas, não deve ter sido á toa que Buda não obrigou ninguém a ser vegetariano. Ele nos ensinou a abandonarmos nossos apegos: se conseguirmos isso, poderemos sair do Samsara o qual uma das características principais é Dukkha e o sofrimento inerente à Interdependência. Somente pelo treinamento da mente isso pode ser feito. Veja como Buda retratou isso no Amagandha Sutta:
“Nem carne, nem jejum, nem nudez,
Nem cabeça raspada, nem cabelos presos, nem sujeira,
Nem pele rude, nem adoração ao fogo,
Nem todos os ascetismos aqui neste mundo.
Nem hinos, nem oblação, nem sacrifício,
Nem festas da estação,
Purificarão um homem preso na dúvida.”