Como o 14º Dalai Lama foi encontrado?
Melhor do que dizer que um Dalai Lama é escolhido, é dizer que ele é encontrado pelos seus discípulos de sua vida anterior. Para isso, estes envolvem os candidatos potenciais a vários testes e aquele que mostrar gostos e preferências a objetos e lembranças de acordo com o último Dalai Lama é que é reconhecido como o renascimento do mesmo.
Um dos ensinamentos centrais de Buda declara que o Renascimento, processo pelo qual os seres nascem novamente após a sua morte em variados reinos de existências possíveis, é algo real. Todas as Escolas Budistas concordam com esse fato, sendo que a Escola Tibetana aborda esse evento de maneira bastante especial por meio da Linhagem de Tulkus. Um Tulku é uma pessoa que foi identificada como a "reencarnação"1 de um Lama, sendo que a Linhagem dos Dalai Lamas é considerada a mais importante, visto que os mesmos são responsáveis pela manutenção e direção do Budismo Tibetano, em especial da tradição Gelug. Portanto, a identificação da reencarnação dos Dalai Lamas é importante para que a "herança" de tal direção seja corretamente passada para aqueles devidamente preparados para tais funções.
1 Reencarnação foi colocada entre aspas porque ela pode trazer uma má compreensão do que o Buda realmente ensinou. Isso porque reencarnação implica numa alma ou numa entidade que transmigra de uma vida para a outra, podendo, às vezes, ir até a um paraíso eterno. Devido a isso, no Budismo damos preferência ao uso do termo "renascimento", que converge com a doutrina de Anatta, Não-eu, que afirma que não há entidade intrínseca que transmigra, mas apenas um fenômeno sucessivo de outro fenômeno, sem que haja ego ou alma envolvidos nisso. Reencarnação fala de uma alma que passa por vários corpos, renascimento fala de fenômenos sucessivos, como se fosse uma semente que surgiu de uma árvore, que dá origem a uma nova semente e a outra árvore. De uma para outra, temos a mesma árvore? Logo, não há uma alma, uma entidade intrínseca, mas fenômenos. Portanto, é preciso diferenciar Reencarnação de Renascimento considerando-se a doutrina de Anatta.
A procura pelo Dalai Lama renascido é responsabilidade dos Altos Lamas da tradição Gelug do Budismo Tibetano, sendo que, geralmente, um Dalai Lama nomeia, antes de morrer, um regente que será responsável por liderar a sua procura. Tal processo pode demorar alguns anos, sendo que com o 14º Dalai Lama o tempo necessário foi de quatro anos. Essa procura costuma ocorrer no Tibete, onde quase todos os Dalai Lama renasceram, apesar de que o atual colocou que ele pode vir a renascer num país que não esteja sob o poderio chinês. Mas como o Dalai Lama atual foi encontrado?
Antes de morrer em 1933, Thubten Gyatso, o 13º Dalai Lama, nomeou Rinpoche Reting como regente interino. Esse, com a morte do mestre, poderia observar algumas coisas para saber onde o Dalai Lama poderia vir a renascer, como a direção para a qual a cabeça do mesmo apontar quando falecer, ou para onde a fumaça de sua cremação se dirigir, isso se ele for cremado. Como depois da morte há um certo período até que um ser renasça, Reting aguardou dois anos para começar sua procura, que geralmente se inicia com visitas ao oráculo Nechung, o vidente oficial do Tibete, o qual se acredita possuir poderes supra-mundanos que permitem a ele clarividência. Além disso, Rinpoche Reting também executou outro método tradicional: juntamente com outros companheiros, é feita uma viagem até o lago sagrado Lhamo Lhatso, no centro do Tibete, onde conta a história que um espírito feminino, Palden Lhamo, prometera ao primeiro Dalai Lama, Gendun Drub, que protegeria a sua linhagem. Lá, esses Altos Lamas meditaram, atentos e pacientes a sonhos e possíveis sinais que indiquem onde eles devem procurar a "reencarnação" do alto mestre espiritual tibetano.
Rinpoche Reting reconheceu três sílabas tibetanas na superfície do lago sagrado: "ah", "ka" e "ma". Além disso, ele e seus companheiros dignitários viram um mosteiro com telhados dourados e verdes e uma pequena casa de fazenda com telhas azul-turquesa.
Em 1937, vários grupos resolveram sair em procura das construções visualizadas no lago. O falecido 13º Dalai Lama, que não havia sido cremado, continuava em seu trono com seu rosto virado para o leste, e foi para essa direção que o regente e outros Lamas concentraram seus esforços - tanto que o Dalai Lama atual foi encontrado no nordeste do Tibete. Um desses Altos Lamas, Ketsang Rinpoche, do mosteiro de Sera, encontrou o mosteiro de Kumbum, na província de Amado, que possuía o tal telhado dourado e verde. Não muito longe dali, encontraram a casa de fazenda com telhas azul-turquesa - ali poderia estar o Dalai Lama renascido. Então, antes de entrar, Ketsang Rinpoche se vestiu de serviçal e levou o rosário do falecido Thubten Gyatso, visto que objetos do último Dalai Lama são utilizados como um teste para confirmar se um candidato potencial é, de fato, a "reencarnação" do mestre.
Assim sendo, Ketsang Rinpoche entrou na casa de fazenda acompanhado de outros dois monges. O suposto serviçal sentou-se na cozinha e logo em seguida o menino da casa chamado Lhamo Thondup, de dois anos, pulou em seu colo e imediatamente pegou o rosário. Rinpoche prometeu que lhe daria o rosário se o menino adivinhasse quem ele era, e para a sua surpresa (ou não) ele não demorou a responder: "O Lama de Sera", sem contar que ele também confirmou o nome dos outros monges. A partir disso, outros testes foram feitos.
Tenzin Gyatso, o 14º Dalai Lama, quando criança.
Mostraram a ele vários objetos genuínos que haviam pertencido ao falecido Dalai Lama e algumas cópias de tais pertences, e o garoto fez as escolhas corretas sem esforço. Quando lhe foram mostradas duas bengalas, o garoto inicialmente hesitou, mas depois pegou a correta. Isso serviu de confirmação de que o menino devia ser a reencarnação do Dalai Lama. A bengala escolhida era a que o 13º Dalai Lama sempre carregava consigo; a outra, ele presenteara a outro indivíduo após usá-la por pouco tempo.
Além disso, os Lamas concordaram que as sílabas vistas no lago prediziam todos esses acontecimentos. Para eles, a sílaba "ah" era da província de Amado, a sílaba "ka" referia-se ao mosteiro Kumbum de telhado dourado e verde, ao passo que "ma" representava o mosteiro de Karma Polpai Dorje, onde o 13º Dalai Lama ficara em sua viagem de volta da China.
Como de tradição, o garoto e sua família foram levados para o Monastério Drepung, em Lhasa, onde ele foi definitivamente reconhecido como o 14º Dalai Lama, recebendo o nome Tenzin Gyatso e subindo ao trono aos cinco anos de idade.