Olá Leon!
Não, essa pessoa não é obrigada a morar na Sangha depois de passar pela Cerimônia de Refúgio na Joia Tríplice.
Essa cerimônia representa o compromisso que uma pessoa toma de buscar os ensinamentos de Buda (o mestre), Dharma (a lei ou ensinamento) e Sangha (a comunidade de praticantes). Todos aqueles que fazem isso são chamados de Budistas - logo, uma pessoa pode ser budista sem essa cerimônia, pois buscar os ensinamentos de Buda para ser feliz não requer cerimônia, ao passo que alguém pode participar dessa cerimônia e não praticar os ensinamentos de Buda. Logo, tornar-se Budista é praticar o ensinamento de Buda, essa cerimônia é apenas um evento representativo desse compromisso que pode ser útil ao praticante.
Além disso, é importante ressaltar que os budistas se dividem basicamente em dois grupos: Leigos e Monges.
Os monges são aqueles que abandonam sua vida pessoal e profissional para se dedicarem unicamente a prática dos ensinamentos de Buda (no Brasil vemos uns monges que vivem em sociedade, vou explicar isso daqui a pouco). Os leigos são aqueles que praticam os ensinamentos, mas continuam inseridos na sociedade.
Aí, surgem algumas dúvidas frequentes:
- Por que o Buda criou uma comunidade de monges?
De acordo com o Buda, o Nirvana é algo difícil de ser atingido, porque requer muito treinamento. Além disso, o Buda dizia que eventuais isolamentos eram muito importantes. Vale ressaltar que o Buda dizia que devemos praticar não só para nós mesmos, mas também aos outros. Apesar disso, a realização da Iluminação requer uma mente capaz de estar só e também uma mente capaz de estar contente com pouco e se desapegar das coisas, para deixa-las serem como são e assim compreendê-las.
Devido a isso, o Buda achou que uma comunidade monástica seria útil, visto que a vida em família e sociedade muitas vezes requer que corramos muito atrás de algo, nos traz algumas preocupações e também tentações e desejos. Logo, um monge tem melhores condições para realizar Nirvana e assim poder ensinar aos outros como fazer o mesmo.
- Isso quer dizer que somente um monge pode atingir a Iluminação?
Não, mesmo leigos podem atingir o Nirvana, só que isso é raro. É como se os monges fossem um broto tentando florescer num campo aberto e os leigos fossem um broto florescendo entre rupturas de um local com cimento. Logo, os leigos estão em condições mais complicadas para atingir a Iluminação, mas isso não significa que eles não possam realiza-las; ao passo que os monges têm mais tempo e dedicação a prática, mas isso não significa que todos se iluminarão. A questão é que um leigo não pode praticar tão inteiramente quanto um monge.
Muitos não gostam disso, mas essa é a realidade de acordo com os escritos budistas mais antigos. No Anathapindikovada Sutta, Sariputta concede um discurso sobre desapego para Anathapindika que está à beira da morte. Anathapindika é um discípulo leigo e ele fica tão comovido com o discurso, dizendo que nunca havia ouvido um Discurso do Dharma parecido antes. Sariputta justifica:
[Sariputta]: "Um discurso do Dharma como este, chefe de família, não é dado para os discípulos leigos que se vestem de branco. Este tipo de discurso do Dharma é dado para as pessoas que seguiram a vida santa.”
Isso porque é difícil aplicar o desapego total como retratado por Sariputta na vida laica, onde você tem preocupações, precisa atingir metas no trabalho ou sonha com aquisições materiais. Logo, um monge tem mais oportunidade de alcançar Nirvana, mas isso não impede que um leigo faça o mesmo.
A questão é que é realmente raro os leigos atingirem Nirvana. Muitos conquistaram o estado de Anagami. Existem 4 estágios de Iluminação: Sotapanna - Sakadagami - Anagami - Arahant (Iluminado). Se alguém alcança pelo menos Sotapanna, é garantido que ele alcançará Nirvana no máximo em algumas vidas, porque aquele que alcança este estado tem um insight muito forte sobre Anatta, de tal forma que ela está muito próximo da Iluminação. O Anagami é ainda mais purificado e sábio, estando livre do grilhão do Desejo Sensual, como exemplo, e muitos leigos atingiram esse estado. Mas o estágio de Arahant, de iluminação completa, poucos leigos alcançaram.
- Por que no Zen vemos monges que trabalham? É como se fossem meio monges meio leigos?
Realmente, a Escola Zen, em especial a tradição Soto, não é "tão rígida" com algumas normas monásticas - dependendo da linhagem e professor. Muitas linhagens do Zen não obrigam o celibato e permitem que os monges se casem ou que trabalhem; apesar do Buda ter dito que um monge não deve ter relações sexuais nem ser chefe de família.
Além disso, vale ressaltar que o Budismo é algo muito novo no Brasil. Então, alguns poucos monges brasileiros trabalham, inclusive porque muitos passam dificuldade para sustentar a Sangha num país onde o Budismo não é muito seguido. A tradição é que um monge é alimentado e a Sangha é sustentada por doações da comunidade leiga, só que no Brasil não há muito apoio financeiro nem muitos leigos, então muitos monges trabalham. Mas isso acontece mais mesmo com a Escola Zen.
De qualquer forma, todos podem alcançar o Nirvana. Como Ajahn Chah disse certa vez, não é preciso ser monge para se iluminar, apesar de que a vida monástica é "mais ideal e facilitada para a prática".
De qualquer forma, tanto leigos quanto monges são budistas, e é o compromisso de ser budista que é representado na Cerimônia do Refúgio na Joia Tríplice. Quando você participa dessa cerimônia, você se compromete a ser budista. Agora, se você será um budista leigo ou um monge que abandona a vida em sociedade, aí depende de você.
Compreendeu?