Olá Rosângela, seja bem-vinda ao Fórum Sangha Online
Sim, essa depressão é uma grande questão no nosso mundo de hoje, não é? Mas no final das contas ela está apenas na mente. Por que algumas pessoas sentem raiva da voz de fulana, e outras não? Por que algumas pessoas ficam tristes quando estão com seus pais (ou com o cônjuge, [rs]), e outras não? Por que a maioria de nós não gosta de trabalhar, mas alguns poucos sentem alegria em fazê-lo?
Isso mostra como a questão sempre está na mente. Pensamos que a felicidade está no mundo, que a tristeza está no mundo, mas isso é falso. Entender isso é o primeiro passo. Se você busca felicidade no lugar que está, é incerto - você nunca estará no mesmo lugar para sempre, e se manter nele nem sempre dependerá somente de você. Buscar felicidade nas pessoas também é muito incerto, porque é impossível agradar a todos. Cada um tem a própria distorção em sua mente, portanto para um sua voz será maravilhosa, para outro pode ser grossa, não é? [rs] Mas é claro que, certas vezes, a situação do "mundo em que estamos" é complicada - me refiro à família ou local de trabalho, ao mundo que entramos em contato todos os dias. Mas sempre há algo que você pode fazer dentro de si - o mundo exterior ajuda na prática pela paz interior, mas se você não pode moldá-lo ainda, busque a prática interior - essa não é tão influenciada por limites externos. Entender que buscar felicidade no mundo é incerto é importante.
Mas só entender não basta, não é? Eu lembro que na época em que passei por uma crise existencial, foi mais ou menos uma depressão mesmo, eu escrevi uma pequena frase: "Não basta saber, é preciso sentir.". Eu escrevi aquilo porque eu entendia que aquela melancolia na minha vida era tudo coisa da minha cabeça, eu sabia disso, mas como me libertar disso? Saber eu sabia, mas eu não sentia que aquela coisa tinha parado, aquele desânimo.
O importante é a prática constante. Nós temos uma semente nas mãos e sabemos que se a plantarmos e a regarmos ela virará uma flor, não é? Mas se a plantarmos e a regarmos apenas uma vez ela não florescerá instantaneamente - nós precisamos cultivá-la durante o tempo que for necessário para que ela floresça. Assim é com a prática budista. Precisamos ser disciplinados para continuar a regar a flor sempre que necessário, mas, ao mesmo tempo, precisamos ser gentis com ela, permitindo que ela cresça ao seu próprio tempo.
Eu digo isso porque muitos de nós tentamos lutar contra melancolia e depressão com muito afinco, e esperamos que com um pouco de tentativa ela passe logo. Mas se forçarmos demais, uma hora ficaremos frustrados e isso apenas piorará a depressão. Então, eu gosto de dizer que precisamos aproveitar toda a etapa do florescimento da semente. Quando surgir um pequeno brotinho, comemore. Quando surgir a primeira folha, sorria. Quando você começar a reconhecer a flor, sinta-se feliz, mesmo que ela ainda não tenha aberto suas pétalas.
Isto é - comemore os pequenos avanços na sua vida. Se você tiver um pequeno momento de alegria, sorria para esse momento e agradeça a ele. Não fique desesperada quando ele terminar - cultive-o aos poucos.
No começo da minha prática, eu era obsessivo dessa maneira com minha Atenção Plena. Ela surgia e eu ficava extremamente furioso - "Por que você não surgiu antes? Por que você desapareceu? Por que você não dura mais tempo?", e isso me deixava apenas mais frustrado e nervoso para estar plenamente atento. Então, o que eu comecei a fazer? Eu comecei a dar as boas vindas à Atenção Plena. "Atenção Plena, que bom que você surgiu! Agora há pouco eu estava desatento, mas agora você surgiu, ainda bem.", e com isso minha Atenção Plena começou a melhorar. Então, não foque apenas nos aspectos negativos - comece a sorrir para os positivos, e assim eles crescerão aos poucos.
Essa "positividade" é muito importante, porque a depressão nada mais é do que uma certa "negatividade silenciosa". É uma certa negatividade sem raiva ou fúria, mas uma negatividade desanimada, que não vê motivo em nada.
É por isso que o ensinamento de Karma é uma grande "mão na roda" para a depressão. Não sei se você conhece esse ensinamento budista, mas ele pode ser simplificado da seguinte maneira: toda ação intencional terá um efeito. Uma ação benéfica, terá um efeito benéfico. Intenção benéfica, efeito benéfico. Ação maléfica, efeito prejudicial. Intenção maléfica, efeito prejudicial. É interessante perceber que pode-se combinar ação benéfica + intenção maléfica - isso é perigoso [rs]. Mas por que esse ensinamento é útil a depressão?
Porque ele te dá um motivo para fazer coisas boas, e um motivo para encontrar alegria dentro de você. Estar consciente da intenção é algo que se torna gradualmente maravilhoso quando aprendemos a nos alegrarmos com pequenas coisas que fazemos. Isso significa que não é preciso se alegrar apenas de grandes ações, como doações, participações em projetos solidários e afins, mas em coisas pequenas. Quando você for lavar a louça, pense - por que você está fazendo isso? Qual a importância disso? São coisas simples, e que de início não vão surtir muito efeito na sua mente, mas comece a contemplar essas coisas um pouco e continuamente, e com o tempo sua mente vai entender que o que ela está fazendo é perigoso.
Eu gosto da definição que o monge Ajahn Brahmavamso dá a depressão. Ele diz que é uma "quebra de Atenção Plena", e foi isso mesmo que eu senti quando eu tive a crise que eu citei. Eu só fazia o que era obrigação - ir a escola, ajudar em casa, e coisas do tipo. Só fazia porque era obrigação, porque para mim a vida não tinha mais motivo algum. Era como um robozinho, fazendo o que tinha que fazer e mais nada. Apenas seguindo hábitos - e seguir hábitos é justamente o oposto de Sati, Atenção Plena. Seguir hábitos tira energia, e o interessante é que quando estamos com preguiça não queremos praticar, e voltamos a seguir nossos hábitos. Mas isso é tolo, porque seguir hábitos só tira mais energia. Nós só fazemos isso porque a mente tem a impressão de que "é mais fácil", mas, na verdade, o que acaba com preguiça e desânimo é energia, e de onde vem energia? Felicidade. Energia e Felicidade estão muito interligados. E Felicidade provém de estar satisfeito com pouco, com intenções boas, com ações boas e com o que se tem no agora.
Atualmente, um simples ato como ajudar uma formiga a sair do meu braço e voltar ao chão pode me trazer muita alegria - depende de alguns fatores [rs] -, se eu tiver "sorte" (isto é, se eu tiver conduzido bem minha mente durante os últimos dias) aquilo pode me trazer até uma certa sensação de prazer meditativo - veja o poder de um simples ato como estar consciente de uma intenção benéfica extremamente pequena. Por que eu consigo alimentar essa alegria? Porque eu treinei a minha mente, eu a ensinei a encontrar alegria na compaixão e no desapego.
Por que se você fizer a mesma coisa você pode não sentir nada, ou até mesmo pior? Porque sua mente foi treinada assim, ou até a sociedade te condicionou assim. Se você concorda comigo, você pode aproveitar isso para aumentar sua fé no Buddha, porque ele ensinou justamente que nossas mentes estão distorcendo as coisas, mas que através da meditação podemos enxergar as coisas corretamente. O problema é que para ter uma boa meditação, precisamos de Felicidade e Virtude (condicionamentos benéficos), e de onde isso vem? Reflexão Constante - por isso o Buddha disse que existem 2 poderes: Poder da Meditação e Poder da Reflexão. Através do Poder da Reflexão podemos ensinar nossa mente novos hábitos e condicionamentos. Isso leva tempo, mas com um pouco de prática você pode perceber pequenas mudanças - perceba-as e comemore-as, senão você ficará frustrada e pensará que não está avançando, mas está. O Buddha ensinou que só os condicionamentos benéficos enxergam o Incondicionado (Nirvana).
Nós queremos praticar e esperar a depressão sumir como mágica, mas tudo é muito gradual. Por isso é muito importante essa positividade. Além disso, ensine sua mente a ser positiva através de reflexões (não precisa pensar demais). Reconheça a importância de coisas simples que você faz. Se você está comendo, reflita "Muitas pessoas não têm o que comer. Portanto, que eu possa usar essa comida com sabedoria para manter este corpo que é capaz de trazer benefício a outras pessoas e a mim mesma.", e sorria. Não faça a reflexão e espere um êxtase surgir. Reflita e solte. Se a mente não ficou feliz, não tem problema, sorria do mesmo jeito. A mente vai perceber que sempre que você pensa na sua bondade, você sorri, então ela repetirá isso e, aos poucos, ela perceberá que há felicidade nisso. É tudo condicionamento - tente!
E não caia na armadilha de pensar que budistas são pessoas compassivas e por isso devem sempre agradar aos outros. Às vezes você faz algo muito benéfico a alguém e a pessoa reclama - "Pedi sua ajuda?". As pessoas são assim mesmo, não tente agradar todo mundo. Foi isso o que eu quis dizer com "tudo é questão da mente". Se alguém ficou com raiva de você, a raiva está na mente da pessoa. Você pode fazer algo ruim, a pessoa fica com raiva. Você pode fazer algo bom, a pessoa ainda fica com raiva. Então, não tente agradar sempre.
Não sei qual a causa principal da sua depressão, mas espero que o que eu disse ajude a aclarar um pouco. Ter esse Entendimento é importante, mas o essencial é fazer essa prática de ensinar a si mesma e a própria mente com paciência e compaixão.
Não sei quão grande é sua fé no ensinamento do Buddha. Poucos ocidentais gostam do ensinamento do Renascimento, mas considere-o com amor. Buddha disse que não existe "Morreu, fim!", assim como não existe "Morreu, vai ficar num paraíso eternamente ou num inferno eternamente", nem mesmo que ficamos reencarnando para elevar o espírito. Ele disse que há uma ética pós-morte - que vamos colher o que plantamos - mas também disse que podemos ver isso por nós mesmos aqui e agora. Nesse caso, o suicídio acaba não sendo uma saída! [rs] Para sair do Samsara é através da Sabedoria, suicídio não funciona [rs].
Quando se trata de "sentido da vida", é complicado falar disso no Budismo porque sem falar de Renascimento não tem como, não é? Mas, considerando que não sabemos o que acontece depois da morte, considere a pior situação. Eu adoro provocar desse jeito [rs], porque ambas as crenças do Ateísmo e Teísmo são "otimistas", você não acha? Em um, acredita-se que você morre e fim, enfim pode descansar de tudo isso! No outro você morre e acredita-se que você vai a um paraíso eterno, descansar eternamente, que maravilha! Em ambos você descansa depois da morte. No Renascimento esse "descanso" não é tão simples, não é? [rs] Você tem de ser virtuoso. Mas, mesmo que seja virtuoso e vá ao paraíso dos Devas, uma hora você vai cair daquele reino e renascer em outra forma, porque nada que surge de condições persiste eternamente. Então só vai "descansar" se complementar Virtude com Meditação e Sabedoria para ver as coisas como elas de fato vêm a ser.
Então, se você não acredita no Renascimento e tem dúvida sobre o que acontece depois da morte, considere a pior possibilidade - a pior é do Budismo [rs]. No Budismo só descansa depois da morte aqueles que conseguiram enxergar por si mesmos a Lei de Causa Efeito. E só enxerga aquele que desenvolve felicidade e virtude.
Além disso, o Buddha alertou que independente do que acreditemos, o sofrimento está aí! Queremos saber quando o mundo começou, porque existe, mas independente de todas essas questões, o sofrimento está aí! Será que aqueles que se libertam dele e aqueles que não são iguais depois da morte, isto é, morreram e acabou?
Caso você não tenha muita fé nos ensinamentos, observe grandes mestres que praticaram o Dhamma. Eles não são felizes? A Sangha é uma grande fonte de inspiração, pela qual percebemos que devemos dar continuidade a prática para alcançarmos tal alegria. Apenas continue reconhecendo os pequenos pontos positivos, e assim você continuará regando a semente com paciência, até que um dia você terá uma bela flor. Essa foi a minha experiência, e continua sendo!
Espero que possamos todos nós compartilhar nossas experiências por aqui! Seja muito bem-vinda e sinta-se convidada a falar mais da sua vida, da sua depressão e do seu interesse por Budismo ou mesmo por outras religiões como o Cristianismo.
Vou deixar uma parte de um texto que enviei a outro amigo que esteve enfrentando depressão também, quem sabe te seja útil:
- Texto:
Não tente se forçar a ser feliz. Ajahn Brahm diz algo muito importante: "not will power, but wisdom power", ou seja: "não pela força de vontade, mas pela força da sabedoria". Então, não tente forçar a sua mente a ser feliz. Tente ENSINÁ-LA. Comece a observar - onde está esse sofrimento todo? Fica tudo mais fácil porque o Buda já indicou - está no Apego.
Estas duas vertentes nos orientam até o final da prática:
- reconhecer as desvantagens do Apego
- reconhecer as recompensas do Desapego
Vá observando e lembrando a si mesmo continuamente. Esse é o Esforço Correto. Não é forçar a mente a ser feliz, é se esforçar para estar atento e ensinar a mente o máximo de vezes possível porque o Apego não é bom. Assim a sua mente vai se inclinar para o Desapego e vai começar a sentir felicidade sozinha - nunca você vai ser feliz forçando, forçar já é Apego, forçar já é infelicidade.
Contemple o que eu disse da teoria do Renascimento e não force demais a si mesmo. Permita-se cometer erros, e não tente se livrar da sua tristeza. Mas não se misture com ela também. Se sua tristeza é forte, deixe-a passar. É importante ensinar a mente, mas quando há algo muito forte, o melhor é esperar.
Vá devagar e contemple isso continuamente. Se você contemplar a Impermanência não só na vida, mas também na morte, considerando que ela pode não ser a solução, você estará fazendo a contemplação certa. contemplar a impermanência na morte também faz você buscar uma escapatória e te conduzirá a prática do Desapego e, consequentemente, a uma alegria. Primeiro vem a alegria de ser virtuoso. Depois, a alegria da meditação. Mas tudo isso deve ser usado para atingir a alegria de Nibbana, pois essa é a única que não morre.
Espero que eu tenha proposto algumas coisas interessantes para você pensar. Não desista - tantos monges felizes por aí se lembram da morte umas dez vezes por dia [rs]. Por que quando você pensa na morte você fica triste e eles felizes? E mais - a felicidade da virtude e meditação também é impermanente, você está certo. Mas é esse tipo de felicidade que o Buddha disse que conduz a felicidade que não é impermanente. Por quê? Porque somente esse tipo de felicidade pura e intensa é capaz de se virar para o presente momento atentamente em vez de tentar escapar dele. Só neste instante, quando você estiver plenamente atento ao agora, alegre, independente se o momento é bom ou ruim, independente se você descobrirá algo bom ou não, que você poderá compreender a realidade sem pensamentos interferindo. Esse é o ensinamento do Buddha.