- Junior escreveu:
Será que é possível desenvolver benevolência suficiente para que a mente tenha o pensamento correto sempre?
Eu não posso dizer sempre, tanto porque nem tenho benevolência elevada para garantir rs...
Mas é tudo questão de condicionamento contínuo, Junior. Tem um texto no Tipitaka (Cânone em Páli) que diz algo assim:
Para o bom fazer o bem é fácil
Para o mau fazer o mal é fácil
Para o mau fazer o bem é difícil
Para o nobre fazer o mal é difícil
Dê atenção ao último verso - "Para o nobre fazer o mal é difícil", isto é, para aquele que praticou durante um bom tempo, estabeleceu a sua mente continuamente, praticou de forma correta com pouca ou nenhuma interrupção até o ponto em que sua mente se firmou e enxergou as coisas com profundidade, é muito difícil fazer algo ruim. Por quê? Porque quando a mente percebe profundamente o sofrimento resultante de alimentar pensamentos inábeis e egocêntricos, ela fica alerta e consegue se desapegar dessas coisas com mais facilidade. Mas, para isso, precisamos praticar continuamente, insistindo nas desvantagens desses tipos de pensamentos, como você fez. O que você fez foi estabelecer a Intenção Correta a partir da sua causa - qual a causa da Intenção Correta? É o fator que a precede: Entendimento Correto. Quando você entende a Impermanência, você percebe que nem sempre o mundo será como você quer - é disso que o Desapego pode surgir. Apego ao grande, repulsa pelo pequeno; apego a pessoas, repulsa a solidão (os monges convivem com o oposto disso também!) - todas essas coisas trazem sofrimento devido a não se lembrar (papel da Atenção Plena) dos ensinamentos e do que é certo. Mas, quando você se lembra, você faz um Esforço (Esforço Correto) para abandonar seus apegos, e nesses casos os pensamentos são muito úteis para alertar a mente, como você mesmo mostrou. Dessa maneira, a sessão da Virtude é praticada - perceba que eu envolvi quase todos do Nobre Caminho Óctuplo: o Entendimento Correto faz surgir a Intenção Correta, a Intenção Correta faz com que façamos o Esforço do Desapego e assim sustentamos essa prática com a Atenção Plena que sempre se lembra dos ensinamentos e fica atenta quando a mente escapa, reestabelecendo-a corretamente através do Esforço e da prática de Linguagem, Ação e Meio de Vida Corretos. Quando esses 7 primeiros fatores são praticados, o último fator que é samma-samadhi, o prazer e satisfação da renúncia surge por si mesmo e é aprofundado durante a meditação.
Mas toda essa prática precisa ser contínua. Quando a mente perceber constantemente o perigo nos Apegos, eles começarão a ficar mais fracos e será mais fácil larga-los. Com o tempo, eles vão surgir e rapidamente serão abandonados. Só que essa prática de desapegar não é uma coisa forçada, é uma coisa embasada em Entendimento. Então, você tem de ensinar a mente: "Isso não é correto. Tudo é impermanente. O mundo não pode ser como eu sempre desejo. Há outras pessoas que necessitam deste transporte tanto quanto eu. Meu egoísmo somente me conduz a sofrimento desnecessário, e tal sentimento não é alimentado pelos nobres que eu admiro."
Isso é ensinar a mente através de hiri-otappa (vergonha e temor de cometer transgressões), como o Buda mostra a seguir:
[Buda]: "Bhikkhus (monges), se em algum bhikkhu ou bhikkhuni (monja), surgir desejo ou cobiça ou raiva ou delusão ou aversão em relação às formas conscientizadas através do olho, ele/ela deve refrear a mente da seguinte forma: ‘Esse caminho é temeroso, perigoso, espinhoso, cerrado, um caminho depravado, um mal caminho, atormentado pela escassez. Esse é um caminho trilhado por pessoas inferiores; não é um caminho trilhado pelas pessoas superiores, não é digno de mim.’ Desse modo a mente deve ser refreada desses estados em relação às formas conscientizadas pelo olho. Do mesmo modo com relação aos sons conscientizados pelo ouvido ... aos objetos mentais conscientizados pela mente.
Suponham, bhikkhus, que a cevada tivesse amadurecido e o vigia fosse negligente. Um boi que gosta de cevada, invadindo a plantação para comê-la, se embriagaria tanto quanto lhe aprouvesse. Da mesma forma, bhikkhus, uma pessoa comum sem instrução, sem exercer a contenção das seis bases para contato, se embriaga com os cinco elementos do prazer sensual tanto quanto lhe apraza.
Agora, suponham que a cevada tivesse amadurecido e o vigia fosse zeloso. O boi que gosta de cevada invadiria a plantação para comê-la, mas então o vigia o agarraria com firmeza pela focinheira. Tendo agarrado a focinheira com firmeza, ele faria com que o boi se abaixasse empurrando os chifres. Tendo abaixado, ele lhe daria um duro golpe com uma vara. Tendo dado o duro golpe com uma vara, ele o soltaria. Isso poderia acontecer uma segunda vez ... uma terceira vez, o boi que gosta de cevada invadiria a plantação para comê-la, mas então o vigia o agarraria com firmeza pela focinheira. Tendo agarrado a focinheira com firmeza, ele faria com que o boi se abaixasse empurrando os chifres. Tendo abaixado, ele lhe daria um duro golpe com uma vara. Tendo dado o duro golpe com uma vara, ele o soltaria. Como resultado, o boi que gosta de cevada, não importando se ele fosse para o vilarejo ou para a floresta, se estivesse em pé ou deitado, não invadiria a plantação novamente, porque ele se lembraria do sabor da vara. - (retirado de Vina Sutta - acessoaoinsight)
Gosto muito desse Sutta, pois ele mostra que se ensinarmos a mente continuamente, ela "se lembrará do sabor da vara". Isto é, devido aos seus condicionamentos ela vai alimentar raiva e outras coisas ruins pensando que aquilo é justificável - é interessante, porque o que é sofrimento nossa mente busca como se fosse felicidade, da mesma maneira que o boi vai atrás da cevada. Mas você torna a Atenção da mente para a Renúncia e a alerta que aquilo é sofrimento, aquilo é perigoso a você e aos outros. Fazendo isso continuamente, a mente começará a se lembrar desses alertas quando ela quiser alimentar pensamentos prejudiciais novamente - isso é condicionamento.
Mas isso vem com a prática contínua. Devemos encontrar satisfação com as pequenas coisas no agora para nos mantermos na prática até que ela mostre frutos consideráveis, mas se formos atentos e gentis, vamos perceber pequenos frutos no agora. Perceba-os e encoraje-se com isso! Você alertou a sua mente muito bem, Junior! No começo ela pode ficar teimosa às vezes, mas em outros alertas pode ser que ela se estabeleça com menos teimosia, e nesses instantes você pode pensar: "O Desapego é de muito mais valor para mim e aos outros seres.", dessa maneira, você não só mostra o perigo do Apego a mente, mas também a mostra a alegria do Desapego. É como educar uma criança! Não só mostre os erros dela, mas também comemore quando ela acertar.
E, como o Buda disse no Tapussa Sutta, só depois que ele insistiu continuamente nas desvantagens do Apego que seu coração começou a ficar animado pela Renúncia e começou a perceber o perigo em se apegar. É neste instante que a nossa mente começa a se inclinar para a nobreza, em que o bem é fácil de ser feito, e o mal é difícil de ser feito. O que você acha? Penso que se você continuar nessa linha de prática, sua mente aos poucos será preenchida cada vez mais em sua maioria por bons pensamentos. É assim que devemos condicionar a mente! O Buddha ensinou que devemos abandonar o mal condicionamento e fazer bons condicionamentos, porque são estes que nos revelam o Incondicionado.
Permita-me também compartilhar com você o que Ajahn Brahmavamso disse numa palestra dele intitulada como "Lidando com pessoas difíceis". Ele disse que duas coisas devem ser feitas nessas situações:
1- Reconhecer que sempre haverá pessoas difíceis no mundo - se todo mundo já possuísse mentes treinadas, sábias e compassivas; por que o Buda teria vindo e exposto o Dhamma? Ele expôs justamente porque existem pessoas com mentes mal treinadas, e você deve contemplar isso - por que essas pessoas agem dessa maneira? Por que empurram? Por que são tão egoístas e estúpidas? Elas estão se apegando a coisas, e estão criando sofrimento para si mesmas. E pense bem: você está "suportando" só alguns instantes com elas - elas se "suportam" 24 horas por dia! Quando você pensa assim, geralmente surge até Compaixão dentro de si mesmo.
2- Reconhecer que o nível de "chatice" de alguém depende mais de você do que da pessoa. Isto é, se alguém está te incomodando muito, é culpa sua. Se não está te incomodando muito, é culpa sua. Se não está te incomodando coisa alguma, é "culpa" sua. Lama Padma Santem tem um texto no site dele intitulado mais ou menos assim: "Não são as pessoas que me irritam, mas eu que me irrito.". Precisamos contemplar isso e treinar a nós mesmos, porque aqueles que agem estupidamente são pessoas como nós cujas mentes não foram treinadas. Então, é tudo questão de treino. Quando você vê dessa forma, você pode até pensar - "Espero que essa pessoa que inicialmente me irritou possa encontrar um bom caminho como o Dhamma para treinar a si mesma e ser feliz".
Aliás, eu tinha votado que não encontro muita dificuldade nessa sessão, mas de alguma maneira seu post me fez repensar sobre. Na verdade, acho que eu deveria ver com outros olhos minha relação com o segundo fator do Nobre Caminho Óctuplo...
Tirei meu voto rs Obrigado por me despertar!