Que estranho, José... Lendo o que você escreveu, o que eu sinto é o medo de desapegar, de abrir mão, de abandonar o desejo por ser/existir - que é justamente aquilo ao qual estamos agarrados por ignorância. Não sei se é isso, mas se for é difícil mesmo... Porque à medida que nosso entendimento se desenvolve, nós vamos sentindo no coração que esse caminho aponta para o silenciar, para o abandono, para a renúncia, para o abrir mão, para a cessação... E vamos reconhecendo que este é o caminho para a paz - mas, ao mesmo tempo, a Ignorância em nós arde, grita, dizendo justamente o contrário. Geralmente surge algo que nós não conseguimos entender que tenta dizer que esse silenciar, esse abandonar é perigoso, que pode acabar com nossa vida (sendo que ela vai acabar mesmo rs) ou que este não é o caminho. Investigue se é isso mesmo e, se for, comece a "re-distorcer" a sua percepção - porque a percepção de que o silenciar é amedrontador, é perigoso, é consequência de não ver as coisas como de fato são e não sentir-se inspirado para largar, para desapegar. Por isso que é uma "re-distorção" é aprender a se inspirar e a se alegrar pelo caminho do desapego, da renúncia, do abrir mão; e a reconhecer o perigo desse agarramento que cultivamos. Que medo é esse de morrer? É justamente isso que nos faz renascer de novo e de novo e de novo - é sempre o desejo por algo mais, de tentar algo mais, de ter uma nova oportunidade. Nunca morremos satisfeitos, plenos, sábios de que nada é eterno. Nunca entendemos no fundo do coração que TUDO morre, e aí quando a cessação começa a se desenvolver no coração, sentimos medo do inevitável - que é a morte. Mas como temer o que é certo que vai acontecer?
Digo isso inspirado num vídeo que me inspirou muito na primeira vez que vi, e me lembrei dele quando li o que você escreveu, dê uma olhada (são só 7min. Veja especialmente os últimos minutinhos): https://www.youtube.com/watch?v=D3k3KzPIb_s - Gangaji não é budista, mas diz coisas que condizem com o caminho espiritual.
Pense se pode ser isso e investigue esse aperto no coração. O que é realmente importante para você? O que será que verdadeiramente é felicidade? É estar seguro e ter uma morte indolor? É isso mesmo? Enquanto houver esses tipos de desejos, vamos continuar experimentando a morte de novo e de novo. Essa é a grande complexidade do ensinamento do Buddha. Por que tememos o inevitável? E por que não estamos prontos para morrer? O que há para perder, se nada é verdadeiramente nosso? O que não conseguimos largar? Será que somos capazes de compreender que qualquer coisa, mesmo a morte, são bons o suficiente para cultivar aquilo que realmente importa? O que importa para você?
Lembrei também de um texto do Ajahn Amaro. Vou deixar o link se quiser lê-lo todo, mas o ponto que o seu relato me lembrou foi este (que é o final do texto):
Medo da Liberdade
"O Buda disse que o desapego da noção do “eu” é a felicidade suprema (por exemplo no Udana II.1 e IV.1). Mas ao longo dos anos nós nos tornamos fãs desse personagem, não é mesmo? Ajaan Chah certa vez disse, “É como ter um amigo querido com que você tem travado conhecimento durante toda a sua vida. Vocês têm sido inseparáveis. Então, vem o Buda e diz que você e o seu amigo têm que se separar.” Isso parte o coração. O ego fica despojado. Há um sentimento de diminuição e perda. Depois vem aquela sensação desconfortante de desespero.
Para a noção do “eu”, ser/existir se define sempre como ser alguma coisa. Mas a prática e os ensinamentos claramente enfatizam o ser indefinido, a plena consciência: sem limites, incolor, infinita, onipresente – dê o nome que você quiser. Parece a morte para o ego quando ‘ser’ fica indefinido dessa forma. E a morte é a pior coisa. Os hábitos baseados no ego reagem com fúria e buscam algo para preencher o espaço vazio. Qualquer coisa serve: “Rápido, me dê um problema, uma prática de meditação (isso é correto!). Ou que tal algum tipo de memória, uma esperança, uma tarefa que não foi completada, alguma coisa em relação à qual possa sentir aflição ou culpa, qualquer coisa!”
Eu experimentei isso várias vezes. Nessa qualidade espaçosa, é como se houvesse um cão faminto na porta tentando desesperadamente entrar: “Por favor, deixe-me entrar, deixe-me entrar.” O cão faminto quer saber: “Quando é que esse sujeito vai me dar atenção? Ele já está ali sentado faz horas como se fosse algum maldito Buda. Será que ele não percebe que estou faminto aqui fora? Ele não percebe que está frio e úmido? Ele não se importa comigo?”
“Todos os sankharas são impermanentes. Todos os Dharmas são assim e vazios. Não há nada mais… “ [faz ruídos como um cão faminto infeliz]
Essas experiências proporcionaram alguns dos momentos mais reveladores na minha própria prática e exploração espiritual. Elas contêm uma fome tão fanática de ser/existir. Qualquer coisa serve, qualquer coisa, só para ser alguma coisa: um fracassado, um bem sucedido, um messias, uma praga no mundo, um assassino de massas. “Permita que eu seja algo, por favor, Deus, Buda ou quem quer que seja.”
Em vista do que o Buda responde, “Não.”
É necessário uma quantidade enorme de recursos e força interior incríveis para ser capaz de dizer “não” desse modo. As súplicas patéticas do ego se tornam fenomenalmente intensas e viscerais. O corpo pode sacudir e as nossas pernas começam a se contorcer para saírem correndo. “Deixe-me sair desse lugar!” Pode até acontecer que os pés comecem a se mexer em direção à porta, tão forte é o anseio.
Nesse ponto, estaremos focando a luz da sabedoria exatamente na raiz da existência dualista. Essa é uma raiz forte. É necessário muito trabalho para chegar até essa raiz e cortá-la. Então podemos esperar muita fricção e dificuldades ao nos envolvermos com esse tipo de tarefa.
A ansiedade intensa surge. Não se intimide com isso. Deixe o anseio de lado. É normal experimentar angústia e fortes sentimentos de pesar. Há um pequeno ser que acaba de morrer. O coração sente uma sensação de perda. Permaneça com isso e permita que passe. A sensação de que “algo será perdido se eu não seguir esse anseio” é a mensagem enganosa do desejo. Quer seja uma centelha sutil de inquietação ou uma grande declaração – “Eu morrerei com o coração partido se não seguir isso!” – compreenda que tudo isso não passa de uma de uma sedução enganosa do desejo.
Há um verso maravilhoso num poema de Rumi que diz, “Quando é que na sua vida você se tornou menos por morrer?” Permita que a erupção do ego nasça e deixe que ela morra. Depois, olhe! Veja! Não só o coração não foi diminuído, como na verdade ele está mais luminoso, amplo e jubiloso como nunca esteve antes. Há espaço, satisfação e uma tranqüilidade que não podem ser alcançadas através do apego ou da identificação com qualquer atributo da vida.
Não importa quão genuínos os problemas aparentem ser, as responsabilidades, as paixões, as experiências, nós não temos de ser nada disso. Não há nenhuma identidade que nós precisemos ter. Absolutamente nada deve ser apegado." - http://www.acessoaoinsight.net/arquivo_textos_theravada/entendimento.php
Eu espero que ajude-o em alguma coisa