Fama e elogio? Anicca e Anatta têm muito mais "valor"
Se elogio e crítica, ou fama e má reputação, são coisas tão impermanentes, por que nos agarramos a elas? Nunca duram para sempre, e por isso que quando perdemos elogio e recebemos a crítica, ficamos tristes. Quando nos libertamos da crítica e recebemos elogio, ficamos felizes. Mas isso é uma oscilação circular sem sentido entre cobiça e aversão! Se tais dhammas mundanos são impermanentes, não há um eu que possa possuí-los. Portanto, não foi "você" que foi elogiado, não foi "você" que foi criticado. Use esses dhammas com sabedoria, mas não tente possuí-los, pois eles não são o seu "eu", não são "seus", eles são impermanentes.
Fama e elogio fazem parte dos oito dhammas mundanos:
[Buda]: “Bhikkhus, essas oito condições do mundo mantêm o mundo girando e o mundo gira ao redor delas. Quais oito? Ganho e perda, elogio e crítica, fama e má reputação, alegria e tristeza.
[...] Quando o ganho surge para uma pessoa comum sem instrução, ela não reflete deste modo: ‘Esse ganho que surgiu para mim é impermanente, atado ao sofrimento, sujeito à mudança.’ Ela não compreende isso como na verdade é.
[O mesmo para todos os outros dhammas mundanos].
[...] Mas, bhikkhus, quando o ganho surge para um nobre discípulo bem instruído, ele reflete deste modo: ‘Esse ganho que surgiu para mim é impermanente, atado ao sofrimento, sujeito à mudança.’ Ele compreende isso como na verdade é.
[O mesmo para todos os outros dhammas mundanos]. - (retirado de Lokavipatti Sutta - acessoaoinsight)
Aquilo que é Anicca, Impermanente, também é Anatta, não-eu; isso é, não há um eu controlando e criando tais fenômenos, pois se houvesse, eles durariam o quanto quiséssemos. Mas como não somos um "eu" controlando-os, eles fluem de acordo com a sua própria natureza e, por isso, são "vazios", ninguém os possui, ninguém os controla. Portanto, tais dhammas mundanos são Anatta.
Quando enxergamos a partir dessa perspectiva, vemos o quão fútil é nos agarrarmos a esses dhammas. O Buda, a fim de nos facilitar o entendimento, ainda apresentou tais condições mundanas em pares cujos constituintes são opostos mas, ao mesmo tempo, complementares. Afinal, não existe elogio sem a crítica. É como grande e pequeno - um não existe sem o outro, caso contrário todas as coisas seriam do mesmo tamanho!
O problema é que nos esquecemos que são impermanentes, o que faz com que cada dhamma sempre dê lugar ao seu oposto, em círculos sem fim. Em nossas vidas temos ganhos, mas quando eles acabam, por serem impermanentes, entestamos com perdas. No trabalho recebemos críticas, mas ao chegar em casa podemos receber um elogio. Todos esses dhammas são mundanos e extremamente impermanentes, apesar disso, nos agarramos a eles e queremos sempre manter um conosco, mas isso não é possível. Tal atitude apenas produzirá sofrimento, pois não há eu controlando isso.
Além disso, quando olhamos esse fato de não haver Atta (eu) por detrás dessas coisas, podemos nos desapegar por perceber que não as possuímos. Às vezes recebemos uma crítica, e ficamos totalmente tristes, mas a crítica foi para quem? Você? O seu "eu"? Mas o erro que você cometeu hoje pode ser que nunca mais seja cometido, é tudo muito impermanente!
Anatta deve ser utilizado para o aspecto positivo também. Às vezes ficamos muito orgulhosos e até arrogantes quando ficamos famosos devido a algum evento, só que mesmo isso é impermanente, e por isso sofremos com medo de perder essa fama, ou sofremos quando enfim a perdemos. Mas "quem" é que é famoso? Todos nós vamos morrer, de tal maneira que nossas riquezas e fama cairão no esquecimento, tanto que mesmo nós temos dificuldades para nos lembrarmos de quem fomos em vidas passadas, não é?
Portanto, por que atribuir tanto valor a esses dhammas mundanos? Por que eu me apegaria a eles, tentando manter um dhamma mundano sempre comigo, se são impermanentes? Afinal de contas, há um "comigo"? Há um "eu" para manter essas coisas? Nós, igualmente, somos impermanentes e nada disso ficará conosco para sempre. O prazer proporcionado por esses dhammas são muito pequenos se comparados ao sofrimento presente e posterior que eles nos trazem: sofremos com medo de perder os dhammas mundanos positivos, sofremos com medo de nos envolvermos com os dhammas mundanos negativos, sofremos com medo de nos separarmos dos dhammas mundanos positivos, sofremos por coisas impermanentes e incertas! Tudo isso é oscilar entre cobiça e aversão, qualidades que devem ser abandonadas para a prática da Atenção Plena Correta ou samma-sati:
[Buda]: "E o que é atenção plena correta? Aqui, bhikkhus, um bhikkhu permanece contemplando o corpo como um corpo - ardente, plenamente consciente e com atenção plena, tendo colocado de lado a cobiça e o desprazer pelo mundo. [O mesmo para as sensações, objetos mentais e a mente]. - (retirado de Magga-vibhanga Sutta - acessoaoinsight)
Se observarmos que somos tão impermanentes de tal forma que não haja possibilidade de discernir um Ego, uma substância que se mantêm intacta, podemos largar tudo isso. Se nos elogiarem, não vamos ficar cobiçosos e muito movimentados por isso, pois o que foi elogiado foi o "nosso" condicionamento, não um "eu". Se formos criticados, tudo bem! Não fomos "nós" que fomos criticados, foi apenas um condicionamento que devemos observar a fim de melhorá-lo para progredir na prática através do uso da crítica de maneira sábia e desapegada.
[Ajahn Brahmavamso para os monges do Monastério de Bodhinyana]: "Eu sempre tento me lembrar de que qualquer ganho, reputação ou fama que eu conquisto como um monge não pertence a mim. Nada me pertence, nem mesmo o meu corpo, meus mantos, minha comida ou minha cabana. Ganho, elogio e fama pertencem ao Buda, ao Dhamma, a grande Sangha. Eu os encorajo a verem isso da mesma maneira. Qualquer reputação que vocês recebam, qualquer ganho adquirido, qualquer fama que vocês desfrutem por serem parte deste monastério bem conhecido, por favor, compreendam que isso pertence ao Buda, ao Dhamma e a Sangha. Se vocês alcançarem qualquer realização no caminho, se suas meditações forem bem, ou se o entendimento de vocês quanto aos Suttas ou quanto ao Vinaya for muito profundo, por favor, não tomem aquilo como sendo 'meu', 'meu conhecimento', ou 'minha realização'.
[...] não importa quantos elogios nós recebamos, pois entestaremos com críticas também." - (traduzido de Ganho, Reputação e Fama (Gain, Honour and Fame) - DhammaTalks)
Portanto, não devemos nos apegar a nenhum dhamma mundano, mesmo os positivos como a fama e o elogio. Qualquer fama que conquistemos, foi devido a algum condicionamento, mas aquele condicionamento não é o nosso Eu. No final do Pañcattaya Sutta, o Buda alerta que se tomarmos mesmo a realização de Nirvana como meu "Eu", ainda estaremos agrilhoados pelo apego e presunção e não teremos alcançado o Incondicionado.
Então, que nos desapeguemos dos dhammas mundanos e compreendamos como utilizá-los no mundo, transitando por ele sem sermos controlados e movimentados por tais condições impermanentes e não pertencentes a nós, ou mesmo controladas por um "Eu". Se nos identificarmos com qualquer coisa, aquilo será a condição para que haja um novo nascimento, uma nova velhice, uma nova doença, uma nova morte. Todos esses fenômenos mundanos são transitórios, fazem parte do mundo e não existem sem os seus opostos. Portanto, tentar segurar apenas um sem o outro é inevitável, pois quando se segura o "grande", ao mesmo tempo se segura o "pequeno", visto que um não existe sem o outro.
Assim sendo, ou seguramos ambos alegria e tristeza, crítica e elogio, ganho e perda, fama e má reputação, ou largamos todos e realizamos a paz proveniente do Desapego ao que é impermanente e vazio de um Eu. Essa paz, ao contrário do prazer proporcionado por essas condições mundanas, não morre. Mas para chegar até esse "estado", precisamos enxergar que Anicca (Impermanência) e Anatta (não-eu) possuem muito mais valor do que aqueles dhammas! Só assim poderemos chegar à paz que está além de qualquer valor ou descrição.